Quem sou eu? (S03E04) – Transcrição

Transcrição do quarto episódio da terceira temporada publicado no dia 08 de setembro de 2023.

Bloco 1

[Laira]
Frank, oi! Você tem um minutinho para conversar?
[Frank]
Claro, Laira! O que houve?
[Laira]
Então, eu vi um experimento mental no Facebook que me deixou bem pensativa…
[Frank]
Ah, experimento mental? E no feise ainda… Contai!
[Laira]
Então: os cientistas inventaram uma máquina que pode fazer uma cópia perfeita de tudo, inclusive de uma pessoa. Eles querem duplicar alguém e escolheram você para isso. Se você concordar, será feita uma cópia sua que terá suas memórias, crenças, desejos e personalidade. Só que depois de concluir o procedimento, o seu”eu” original será destruído e o seu novo “eu” continuará a viver como antes. Eles estão oferecendo um milhão de reais pelo incômodo da morte e tals…
[Frank]
Nossa, esse experimento é bom. Huuummm… Não sei se aceitaria algo assim.
[Laira]
Eu também não sei, olha…. Seria incrível poder viver duas vezes ao mesmo tempo e experimentar coisas diferentes. Só que isso significaria a morte do meu “eu” original. Pra mim essa ideia é bastante perturbadora.
[Frank]
Bem, minha primeira reação seria dizer não, mas vamos pensar sobre isso. A ideia de ter uma cópia minha por aí é meio estranha. Além disso, eu não sei como seria minha consciência após o procedimento. Eu continuaria sendo eu mesmo ou seria uma nova pessoa?
[Laira]
É exatamente isso que estou pensando! Eu acho que seria muito estranho existir duas pessoas idênticas, mas ao mesmo tempo, a ideia de um milhão de reais é muito tentadora.
[Frank]
Olha: eu estudei no curso um assunto em metafísica e filosofia da mente chamado identidade pessoal. E acho que esse assunto tem haver com o que precisamos saber pra responder bem esse experimento mental aí.
[Laira]
Identidade pessoal? Fale mais sobre…
[Frank]
Quer conversar sobre isso?
[Laira]
Quero.
[Frank]
Beleza então. Primeiro vou ali pegar uma água e aí a gente senta em algum lugar pra discutir esse assunto aí.
[Laira]
Beleza!

Bloco 2

[Frank]
Vamos começar do começo.
[Laira]
Certo.
[Frank]
Como você acha que é formulado o problema da identidade pessoal?
[Laira]
Eu chutaria um “Quem sou eu?”
[Frank]
É uma boa! E como você responderia a esse problema?
[Laira]
PUTS! Aí complicou.
[Frank]
Vamos começar com o seguinte: a identidade pessoal pode ter tanto uma continuidade física como uma continuidade psicológica.
[Laira]
Vai apresentar cada uma delas?
[Frank]
Vou sim!
[Laira]
Então manda bala!
[Frank]
Beleza! Seguinte: a teoria da continuidade física diz que a identidade pessoal é o corpo de uma pessoa. Ou seja, se você tem o mesmo corpo em diferentes momentos do tempo, você é a mesma pessoa.
[Laira]
Mas e se alguém perde uma perna, por exemplo? Ainda assim é a mesma pessoa?
[Frank]
Sim, é a mesma pessoa. O corpo ainda é o mesmo, mesmo com uma parte faltando.
[Laira]
E se a gente congelasse uma pessoa, cortasse ela em vários pedacinhos, embaralhasse tudo, e aí colocasse de novo todos os pedaços no mesmo lugar? A pessoa ainda seria a mesma?
[Frank]
Ainda seria a mesma pessoa. É como se tu tivesse uma bicicleta, a desmontasse, e depois a montasse de novo. No fim, é a mesma bicicleta. Ou não?
[Laira]
Não, não: concordo contigo.
[Frank]
Agora: é possível pensar em objeções a essa teoria. Por exemplo: o filósofo John Locke apresentou como objeção o experimento mental do príncipe e do sapateiro. Já ouviu falar?
[Laira]
Nunca ouvi falar…
[Frank]
Seguinte: ele disse que a alma de um príncipe, com todas as suas memórias e traços de personalidade, entrou no corpo de um sapateiro, e a alma do sapateiro entrou no corpo do príncipe. Quem seria o príncipe agora?
[Laira]
Hmm, boa pergunta. Acho que seria aquele no corpo do sapateiro, né? O príncipe agora tem o corpo do sapateiro.
[Frank]
Nossa intuição parece ser essa mesmo: O príncipe agora tem o corpo do sapateiro. Se isso é verdade, a identidade pessoal não está no corpo de uma pessoa.
[Laira]
Mas pelo experimento parece que o que está relacionado a identidade pessoal é o cérebro de uma pessoa – ou o que está no cérebro, né.
[Frank]
É uma possibilidade.
[Laira]
E se alguém fizer uma cirurgia de transplante de cérebro pra outro corpo?
[Frank]
Aí entra outra objeção. Imagina que dois caras, Paulo e Gustavo, se submetem a uma cirurgia que envolve a remoção dos cérebros deles dos crânios e depois recolocam os cérebros em corpos diferentes. Só que, por engano, o cérebro de Paulo é colocado no corpo de Gustavo, e o cérebro de Gustavo é colocado no corpo de Paulo. Aí Gustavo morre, mas o corpo de Gustavo, agora com o cérebro de Paulo, continua vivo. Quem é que tá vivo agora, Paulo ou Gustavo?
[Laira]
Acho que ainda seria o Paulo, porque é o cérebro dele que está funcionando no corpo do Gustavo.
[Frank]
Nossa intuição seria essa: a identidade pessoal está ligada à mente, não ao corpo. Então, se o cérebro do Paulo continua funcionando, a identidade pessoal continua sendo dele.
[Laira]
É… a identidade ser o corpo é bem complicado.
[Frank]
Poisé.

Bloco 3

[Laira]
E a outra resposta lá?
[Frank]
A da continuidade psicológica?
[Laira]
Essa mesmo.
[Frank]
Bom: dá pra se dizer que pra continuidade psicológica, o que importa pra identidade pessoal de uma pessoa ao longo do tempo é o aspecto mental. Tipo: as memórias, traços de caráter, habilidades intelectuais e artísticas e por aí vai.
[Laira]
E como ela define quem sou eu?
[Frank]
Vamos considerar a memória. Tipo: a gente é a mesma pessoa no tempo se a gente se lembra de eventos que rolaram com a gente no passado. O Frank de hoje é o mesmo que o Frank de dez anos atrás porque a dez anos atras eu já tinha concluído o ensino médio e me lembro muito bem disso.
[Laira]
Huuummm…
[Frank]
O que acha? Essa é a concepção de identidade pessoal do filósofo John Locke.
[Laira]
Bom: essa teoria, né, essa posição filosófica consegue explicar porque o príncipe é o príncipe – mesmo que estivesse no corpo do sapateiro.
[Frank]
Exatamente.
[Laira]
Agora: tava pensando aqui uma coisa…
[Frank]
Diga.
[Laira]
As pessoas envelhecem. Normal. E com o envelhecimento as pessoas vão se esquecendo de certas coisas do seu passado. Tipo: quanto mais distante no passado, mais difícil é da pessoa lembrar de certas coisas. Como é que fica a identidade de uma pessoa assim?
[Frank]
Vamos tornar mais claro o que tu me pergunta: um jovem se lembra do que fez quando criança e esse jovem, agora velho, se lembra do que fez quando jovem, mas esse velho não se lembra do que fez quando criança?
[Laira]
Exatamente. Essa formulação ficou meio complexa, mas é isso aí: no final, o velho não se lembra de algumas coisas que ele fez quando criança. E isso é super normal. E aí te pergunto: por causa desses esquecimentos, dessa falta de memória, a memória serviria como algo necessário pra identidade pessoal? Eu fico com a impressão que não, olha…
[Frank]
É… Isso que você me falou e eu reformulei, né, é a objeção do filósofo Thomas Reid em relação a concepção do Locke. Só que é possível dar uma resposta a essa objeção, Laira.
[Laira]
É mesmo?
[Frank]
É sim. Um resposta a essa objeção pode ser dada com uma versão mais atualizada da memória como identidade pessoal feita pelo filósofo Derek Parfit.
[Laira]
Então fala aí como seria essa resposta.
[Frank]
Digamos que o velho não se lembra de muitas coisas que fez quando criança. Normal. Com o tempo o esquecimento parece aumentar, né. Só que o velho se lembra de muitas coisas que fez quando jovem. E a versão dele jovem se lembra de muito mais coisas que ele fez quando criança do que ele agora como velho.
[Laira]
Huuuuuuuummmm…..
[Frank]
Conseguiu perceber onde quero chegar?
[Laira]
Sim, sim. A memória ainda pode ser usada como identidade pessoal porque existe uma sequência, uma conexão de memória da pessoa em diferentes idades.
[Frank]
Exato!
[Laira]
É… é uma resposta.
[Frank]
Sim, sim: é uma resposta. Mas eu tenho outra objeção a memória.
[Laira]
Diga.
[Frank]
A memória, muitas vezes, é muito pouco fiável, sabe… Tipo: a gente pode se lembrar de coisas que nunca aconteceram. Ou seja: a gente pode criar memórias falsas.
[Laira]
É verdade.
[Frank]
Tá: nem sempre é o caso de ser uma memória falsa. Mas é que as vezes parte das memórias são verídicas, mas a gente inventa certos detalhes. Aí fica uma coisa meio verdadeira meio falsa. É muito complicado.
[Laira]
É verdade. Uma vez tinha esquecido minha carteirinha e tinha deixado me lembrei que tinha deixado ela em uma gaveta. Fui procurar e ela não tava lá, mas sim em outra gaveta. A carteirinha tava sim em uma gaveta, mas estava em uma gaveta diferente da que havia lembrado.
[Frank]
Ohaí. Num disse? Isso é mais comum do que se imagina.

Encerramento

[Laira]
Olá, gente! Eu sou Laira Maressa, sou estudante de biomedicina e pesquisadora da Fiocruz Amazônia.
[Frank]
Olá, pessoas esclarecidas! Aqui quem fala é Frank Wyllys e sou tanto filósofo público quanto tenho TDAH.
[Laira]
Esse é o quarto episódio da terceira temporada do podcast onde trato de boa parte dos mais conhecidos problemas filosóficos que perpassam o cotidiano das pessoas. Além disso, vale destacar que essa é uma temporada 100% financiada pela Manauscult por meio do edital de cultura de nome Thiago de Mello na sua versão novos Talentos. Fica registrado meus agradecimentos a Manauscult pela oportunidade e pela premiação em dinheiro.
[Frank]
Dito isto, o episódio está embasado em algumas referências e vale destacar parte delas. Uma dessas referências é o capítulo “Identidade pessoal como continuidade física” do livro “Introdução à filosofia da mente”. O autor do capítulo e também do livro é o filósofo Keith T. Maslin e a editora é a Artmed. Uma outra referência seria o capítulo “Identidade pessoal como continuidade psicológica”. Esse capítulo, o seu livro, o autor e a editora são os mesmos do capítulo que acabei de descrever antes desse. Ainda uma outra referência seria o capítulo “O problema da identidade pessoal” do livro de título “Problemas da filosofia”. O autor do capítulo e do livro é o filósofo James Rachels e a editora do livro é a Gradiva.
[Laira]
Por fim, siga o podcast na internet! Você pode fazer isso nos seguindo no seu aplicativo ou serviço favorito de podcast – Spotify, Google Podcasts, Deezer, Amazon Music, Stitcher ou Castbox – ou nos seguindo nas redes sociais: no Facebook, Instagram e TikTok é @esclarecimentop – tudo junto e minúsculo – e no Twitter é @esclarecimento_ – tudo junto e minúsculo também.
[Frank]
Isso é tudo por hoje, pessoal.
Até o próximo episódio!
[Laira]
Tchau tchau!
[Frank]
Bye!


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