Transcrição do sexto episódio da terceira temporada publicado no dia 22 de setembro de 2023.
Bloco 1
[Frank]
E aí, Laira? Boa noite
[Laira]
E aí, Frank! Boa noite!!!
[Frank]
Como é que tu tá?
[Laira]
Eu tô mais ou menos. Nesses últimos dias ando pensando sobre a vida, sabe…
[Frank]
Como assim?
[Laira]
Ah: eu ando pensando mais no que tô fazendo na vida, com a minha vida.
[Frank]
Tu tá pensando no sentido da tua vida?
[Laira]
Sim, sim. No propósito dela.
[Frank]
Huuummm….
[Laira]
Tô assim desde quando vi o filme Na Natureza Selvagem do Sean Penn. Estou reflexivah…
[Frank]
Então você concorda que a felicidade só é real quando compartilhada?
[Laira]
Minha situação de felicidade tá mais pra do Bojack, olha…
[Frank]
É verdade. Tua família não ajuda.
[Laira]
Inclusive: o sentido da vida é um problema filosófico, né? Ou não??
[Frank]
É sim!
[Laira]
Então fala aí sobre isso, pô. Vai que saber mais do assunto me ajuda nessa reflexão.
[Frank]
PUTS! Tu tem certeza? O papo pode ser meio longo, olha…
[Laira]
Num tem problema não.
[Frank]
E mais uma vez estamos conversando sobre filosofia. K.
[Laira]
Verdade, né. Pelo menos eu aprendo coisas novas nessas conversas…
[Frank]
É…. é verdade.
Bloco 2
Laira, eu tenho uma pergunta
[Laira]
Diga!
[Frank]
O que é o sentido da vida? Tipo: o que você entende exatamente sobre esse problema filosófico?
[Laira]
Olha… quando parei pra pensar no meu sentido da vida, a impressão que tive é de que esse problema pergunta sobre o valor ou o propósito de uma vida. Seria isso?
[Frank]
Estou de acordo, Laira. Primeiro vamos tentar entender o que que exatamente quer dizer esse problema aí. E também vamos supor aqui o seguinte: o sentido da vida de que vamos falar é o da vida humana. Certo?
[Laira]
Tudo certo.
[Frank]
Vamos começar pelo seguinte: quando se pergunta pelo sentido da vida, o que parece mais confundir as pessoas é saber sobre o que significa sentido nesse caso. O que acha da gente começar por entender o que significa esse “sentido” nesse contexto?
[Laira]
Tô dentro! Tô aqui pra te acompanhar.
[Frank]
Olha: intuitivamente, né, digamos que uma certa atividade tem ou faz sentido quando é um meio adequado pra uma finalidade. Por exemplo: faz sentido ir ao bebedouro com um copo na mão pra beber água porque isso é um meio para um fim – que é o de saciar a sede.
[Laira]
Certo.
[Frank]
Quando a gente pergunta pelo sentido da vida, a gente tá perguntando pela finalidade da vida. Entende?
[Laira]
Mas que finalidade é essa?
[Frank]
Pra te responder eu vou precisar apresentar uma distinção envolvendo finalidade.
[Laira]
Manda bala.
[Frank]
A finalidade pode ser tanto instrumental quanto ser última. A finalidade instrumental é aquela finalidade que visa outras finalidades ou objetivos. Tipo: a gente pegar o ônibus é uma finalidade instrumental se o objetivo é usar o busão para chegar na universidade. Agora: a finalidade última seria aquela que se esgota em si mesma, é a sua própria razão de ser, não sendo uma finalidade instrumental. Por exemplo: seriam finalidades últimas atingir a felicidade, sentir prazer, ser virtuoso ou obter conhecimento. Entendeu?
[Laira]
Entendi, sim.
[Frank]
O o sentido da vida tem haver com a finalidade última. Ou seja: o problema do sentido da vida consiste em descobrir qual é a finalidade ou as finalidades últimas da vida humana.
[Laira]
Huuuuummmmmmm… agora entendi. Realmente existe uma relação entre finalidade e sentido da vida.
[Frank]
Sim, sim.
[Laira]
Deixa eu ver se entendi direito por meio de uma situação hipotética.
[Frank]
Pode falar.
[Laira]
Imagina uma pessoa que chegou aos seus 90 anos. No dia de seu aniversário, ela passa boa parte desse dia pensando para a sua própria vida. Nisso, ela percebe que alcançou a maior parte de todas as finalidades que definiu para si quando muito jovem. Isso significa, portanto, que a vida dessa pessoa tem sentido?
[Frank]
Olha: depende.
[Laira]
Comassim depende?
[Frank]
Se nenhuma das finalidades definidas por essa pessoa tiver valor, então o fato delas serem finalidades últimas não parece ser suficiente pra que a vida dessa pessoa tenha tido sentido. Digamos que uma das finalidades últimas definida por essa pessoa tenha sido a de enriquecer o máximo possível. Tal pessoa fez isso durante a sua vida usando os métodos mais inescrupulosos possíveis: roubou, aplicou golpes, enganou as pessoas com promessas e produtos de baixa qualidade. Não somente os meios foram péssimos como o fim último é fútil, pois não parece ser o tipo de finalidade última que geralmente enxergamos como valoroso.
[Laira]
Huuummmmm… verdade, verdade.
[Frank]
Acho que já temos uma noção mais clara do que temos em mente quando perguntamos sobre o sentido da vida. Tipo: supondo que estamos falando da vida humana, perguntar pelo sentido da vida significa perguntar por uma ou mais finalidades últimas que tenham valor em si. O que acha dessa clarificação do problema?
[Laira]
Eu gostei dessa clarificação.
[Frank]
Ainda bem! Estamos indo pelo caminho certo…
Bloco 3
[Laira]
Agora: que resposta dar ao problema do sentido da vida?
[Frank]
É agora que o bicho pega, Laira
[Laira]
Como sempre na filosofia, pelo visto: o problema filosófico até tem resposta, mas as respostas sempre tem algum problema, alguma objeção.
[Frank]
Mais uma terça-feira chuvosa no dia a dia da filosofia
[Laira]
Poisé.
[Frank]
Mas vamos lá. Algumas respostas foram dadas em relação ao sentido da vida. Pra gente não ficar muito tempo nelas, vou só dar um panorama geral. Pode ser?
[Laira]
Negócio fechado.
[Frank]
Olha: no geral, é possível dizer que existem respostas pessimistas – ou negativas – e respostas otimistas – ou positivas – em relação ao problema do sentido da vida. mas eu vou dar uma breve passada em uma resposta pessimista porque acho que tu quer uma resposta otimista. Certo?
[Laira]
Sim, sim. Quero definir o melhor o sentido da minha vida, então, to numa vibe mais positiva em relação ao problema.
[Frank]
Beleza. Bom: uma resposta pessimista ao sentido da vida é o niilismo. Os niilistas pensam que a vida carece de significado, de sentido positivo. Tipo: se a vida não tem uma origem ou propósito divino, então ela não tem nenhum sentido. E como se isso não bastasse, de uma perspectiva cósmica, em uma escala MUITO grande das coisas, somos super minúsculos em relação a todo o universo. Isso significa que nossos ícones e nossas conquistas culturais mais importantes vão desaparecer assim que a nossa espécie for extinta ou quando o nosso sistema solar colapsar.
[Laira]
É… entendo essa posição. Só que ela num parece vaidosa demais não?
[Frank]
Você agora foi certeira, pois essa é uma objeção ao niilismo no sentido da vida. Nessa posição parece estar implícito a ideia de que os seres humanos devem ter alguma importância cósmica – e como não vamos acabar tendo, pra quê viver, né.
[Laira]
A gente não é essa Coca-Cola toda.
[Frank]
Poisé. Mas vamos falar das respostas otimistas.
[Laira]
Certo.
[Frank]
As respostas otimistas podem ser divididas em respostas otimistas religiosas/teistas e respostas não teligiosas/não-teístas. Como o que tu quer tem mais relação com essas respostas, vou tratar delas com um pouco mais de detalhes.
[Laira]
Ótimo. Pode ir falando que eu vou prestar bastante atenção.
[Frank]
Bom: em linhas muito gerais, a resposta religiosa – também conhecida como sobrenaturalismo – sustenta que a vida tem um significado divino. O que dá sentido a nossa vida é o fato de Deus ter algo muito importante e duradouro: um plano para nós, uma finalidade.
[Laira]
E qual é o plano de Deus pra gente?
[Frank]
Puts: tu foi direto no problema.
[Laira]
Porque?
[Frank]
Quando perguntam exatamente qual é o plano de Deus, se responde que é impossível saber exatamente que plano é esse, pois os desígnios divinos ultrapassam a razão humana. No fim, os seres humanos não podem entender qual o sentido de suas vidas, pois isso está fora da nossa compreensão.
[Laira]
Então a nossa vida, nessa resposta, até tem sentido, mas a gente não tem como saber que sentido é esse?
[Frank]
Em resumo, é isso.
[Laira]
Mas que merda, em.
[Frank]
Tu não gostou mesmo dessa resposta.
[Laira]
É que essa resposta me dá a impressão de que a gente não deve pensar nos planos de Deus, sabe… porque a gente não vai conseguir entender mesmo… E aí a gente só tem que crer que esse sentido existe e é isso aí. Isso só funciona com quem é convertido.
[Frank]
É como uma aposta, mas uma aposta muito arriscada e que não se tem muitos indícios a favor dessa aposta.
[Laira]
Exatamente.
[Frank]
Bom: além dessa que vc chegou naturalmente, posso te apresentar outra. Se Deus nos criou com um propósito em mente, fica difícil a gente cumprir esse propósito que ele tem pra gente porque ele nos fez de maneira degradada. O ser humano é falho. E se a gente não cumpre os planos de Deus – e o plano que ele tem pra gente -, a nossa vida perde o sentido. Como a gente não sabe que plano é esse, fica difícil seguir os desígnios dele pra nossa vida ter sentido.
[Laira]
Verdade.
Bloco 4
[Frank]
Se o sobrenaturalismo não te convenceu, quem sabe tu se dê bem com o naturalismo.
[Laira]
E como o naturalismo é uma resposta ao sentido da vida? Falaí que fiquei curiosa.
[Frank]
É que o naturalismo é o nome conhecido da resposta não religiosa/não teísta ao sentido da vida. Nessa resposta, a vida não tem nenhum significado sobrenatural e deve ser encontrada pela gente durante nossa vida na Terra, no mundo físico.
[Laira]
Então o que a gente tem que fazer pra encontrar o sentido da nossa vida?
[Frank]
Olha: depende.
[Laira]
Como assim depende?
[Frank]
Na literatura filosófica, até onde consigo me lembrar sobre essa resposta, existe uma distinção entre subjetivismo e objetivismo. A depender de qual delas tu acolher, a resposta naturalista ao sentido da vida vai variar.
[Laira]
Então o naturalismo de divide em subjetivismo e objetivismo?
[Frank]
Exato.
[Laira]
Então explica essa distinção aí, pô!
[Frank]
Tá bom. Vou começar pelo subjetivismo.
[Laira]
Certo.
[Frank]
O subjetivismo diz que cada pessoa dá sentido a sua vida com algo que é gratificante, satisfatório ou envolvente para ela, onde isso varia de pessoa para pessoa.
[Laira]
Exemplo…?
[Frank]
Uma pessoa pode achar gratificante uma vida que envolva uma carreira desafiadora; outra pessoa pode achar gratificante uma vida que envolva viver na praia. E assim por diante…
[Laira]
É… realmente varia de pessoa pra pessoa. Mas agora te pergunto: uma pessoa pode ter como sentido da vida algo gratificante como, por exemplo, chutar cachorros? Ou a pessoa pode achar gratificante apenas ficar olhando para a areia da praia. Ou a pessoa pode ter como sentido da sua vida ficar com um dos braços levantados para cima ou até mesmo buscar manter na cabeça 5 mil fios de cabelo. Essas coisas podem realmente dar sentido a uma vida?
[Frank]
Excelentes questionamentos! O que você disse agora é uma série de exemplos que constituem uma objeção ao subjetivismo. Tipo: o subjetivismo acaba tendo implicações contra-intuitivas, pois acaba aceitando como projetos de vida atividades viciosas, triviais ou bizarras. Só observar o que vc me perguntou agora pra perceber isso de imediato.
[Laira]
Concordo. Assim que tu me explicou o que era eu já pensei nessas situações bizarras porque todas essas coisas podem ser consideradas gratificantes pra uma pessoa, mas na verdade não serem pra maioria das outras. Ou seja: elas não parecem acrescentar nada de significativo a vida, pois são projetos de vida bem sem valor, sabe…
[Frank]
Estou muito de acordo. Essa é uma objeção que pesa muito ai subjetivismo. Mas uma saída pode ser o objetivismo.
[Laira]
Pois diga.
[Frank]
O objetivismo advoga que o sentido da vida de uma pessoa deve ser definido por um projeto de valor positivo e objetivo. Ou seja: o sentido da vida é uma ou algumas finalidades últimas que tem valor objetivo, onde deve-se entender por valor objetivo algo que tenha valor de um ponto de vista universal.
[Laira]
Denovo: exemplos.
[Frank]
Um exemplo seria o seguinte: o sentido da vida de uma pessoa seria ter conhecimento profundo em ética para atuar como consultor em problemas práticos dessa disciplina filosófica – como a eutanásia, o aborto, a clonagem, etc. Um outro exemplo seria uma pessoa buscar trabalhar voluntariamente em uma ONG que ajuda a limpar os igarapés poluídos da sua cidade. Um outro exemplo seria uma pessoa buscar excelência técnica no desenvolvimento de aplicativos para celular.
[Laira]
Olha… gostei dessa resposta aqui, viu… achei interessante, achei promissora…
[Frank]
Só que um problema do objetivismo é definir qual atividade ou projeto de vida ter maior sentido ou valor objetivo do que outro. Alguém pode ter como um de seus projetos que dão sentido a sua vida escalar o Monte Everest. Mas outra pessoa pode discordar disso, pois além de achar isso perigoso, ainda pensa que os esforços voltados a realização dessa atividade podem ser gasto em outras coisas mais seguras. Tipo: a pessoa pode pegar o dinheiro necessário pra fazer a escalada e direcionar isso pra um evento em uma ONG que limpa os igarapés de uma cidade.
[Laira]
É verdade…
[Frank]
Ainda pensa em tomar essa resposta como seu ponto de partida pra buscar o sentido da sua vida?
[Laira]
Ainda que ela tenha esse problema, eu vou tomar ela sim.
[Frank]
Espero que consiga pensar em algo top.
[Laira]
Vou penar, vou pensar. Obrigado por me ajudar nisso, Frank!
[Frank]
Não tem por onde!
Encerramento
[Laira]
Olá, gente! Eu sou Laira Maressa, sou estudante de biomedicina e pesquisadora da Fiocruz Amazônia.
[Frank]
Olá, pessoas esclarecidas! Aqui quem fala é Frank Wyllys e sou tanto filósofo público quanto tenho TDAH.
[Laira]
Esse é o segundo episódio da terceira temporada do podcast onde trato de boa parte dos mais conhecidos problemas filosóficos que perpassam o cotidiano das pessoas. Além disso, vale destacar que essa é uma temporada 100% financiada pela Manauscult por meio do edital de cultura de nome Thiago de Mello na sua versão novos Talentos. Fica registrado meus agradecimentos a Manauscult pela oportunidade e pela premiação em dinheiro.
[Frank]
Dito isto, o episódio está embasado em algumas referências e vale destacar parte delas. Uma dessas referências é o artigo “O sentido da vida”. Seu autor é o filósofo Desidério Murcho e o texto pode ser encontrado no site Crítica na rede. Uma outra referência, do mesmo filósofo, seria a introdução do livro de título “Viver para quê – Ensaios sobre o sentido da vida”. A editora do livro é a Dinalivro. Ainda uma outra referência seriam os verbetes de título “Meaning in Life: What Makes Our Lives Meaningful?” e “Meaning in Life: What’s the Point?”. Ambos os verbetes podem são do filósofo Matthew Pianalto e podem ser encontrados na site 1000-Word Philosophy.
[Laira]
Por fim, siga o podcast na internet! Você pode fazer isso nos seguindo no seu aplicativo ou serviço favorito de podcast – Spotify, Google Podcasts, Deezer, Amazon Music ou Castbox – ou nos seguindo nas redes sociais: no Facebook, Instagram e TikTok é @esclarecimentop – tudo junto e minúsculo – e no Twitter é @esclarecimento_ – tudo junto e minúsculo também.
[Frank]
Isso é tudo por hoje, pessoal.
Até o próximo episódio!
[Laira]
Tchau tchau!