Deus existe? (S03E02) – Transcrição

Transcrição do segundo episódio da terceira temporada publicado no dia 25 de agosto de 2023.

Bloco 1

[Frank]
Oi Laira!
[Laira]
Oláááá
[Frank]
Diga, mulher. O que queria conversar?
[Laira]
É que eu tava lendo sobre o problema da existência de Deus e queria conversar contigo sobre isso.
[Frank]
Tô feliz em saber que veio mais uma vez até mim pra conversar sobre filosofia. Tá lendo mais sobre isso por aí?
[Laira]
Tô sim! E como tenho a sorte de conhecer alguém da área, sempre que possível vou tá falando contigo sobre minhas dúvidas.
[Frank]
Beleza. Agora, sobre Deus, primeiro: tu sabe qual o problema filosófico em jogo?
[Laira]
Sei sim. O problema filosófico seria o seguinte: Deus existe?
[Frank]
Exato! E o que mais?
[Laira]
Bom: eu acho que essa é a formulação do problema filosófico pq o que está sendo discutido é o conceito de Deus. Como tu havia me dito naquela vez que Deus era um dos conceitos considerados filosóficos, assim como a formulação dele é uma daquelas que tu havia dado de exemplo – o que é x? -, então não tem erro: estamos no campo da filosofia e temos em um problema filosófico da mesa. É isso?
[Frank]
Excelente. De verdade! Pra quem tá começando nesse negócio de filosofia, olha: você aprendeu bem e aprendeu rápido!
[Laira]
Obrigada!
[Música de abertura do podcast se inicia]
[Frank]
Você quer discutir o que leu?
[Laira]
Sim, sim. É que ler textos filosóficos é uma coisa nova pra mim. Eu leio e fico em dúvida sobre um monte de coisas.
[Frank]
Tá tudo bem! No início é assim mesmo, sabe – mais ainda pra quem não tá tendo um treinamento formal em filosofia.
[Laira]
Ultimamente eu ando numa vibe mais filosófica. Espero logo me acostumar a ler textos filosóficos.
[Frank]
Baby steps, Laira. Baby steps.
[Música de abertura do podcast acaba]

Bloco 2

[Frank]
Por onde vamos começar, Laira?
[Laira]
Olha: uma das coisas que descobri lendo o texto lá é que temos de entrar em um acordo sobre que Deus estamos falando. Sem isso nós podemos passar um tempão debatendo e não chegar a lugar nenhum só porque não estamos começando de um mesmo ponto de partida!
[Frank]
Porra muito bom
[Laira]
É isso mesmo?
[Frank]
É exatamente isso! Eu sugiro o seguinte ponto de partida: Deus numa concepção teísta.
[Laira]
O Deus que é compartilhado pela maioria dos cristãos, judeus e muçulmanos?
[Frank]
Esse mesmo!
[Laira]
Então, por garantia, temos que estabelecer mais algumas coisas…
[Frank]
E quais seriam essas coisas?
[Laira]
As características desse Deus teísta.
[Frank]
Você está afiadíssima!
[Laira]
Eu não entendi muita coisa do texto, mas dessa parte eu me lembro um pouco…
[Frank]
Vamos ficar só no básico, ou seja, vamos considerar aqui apenas algumas características de Deus: onipresença, onipotência, onisciência e a dele ser sumamente bom. Certo?
[Laira]
Certo.
[Frank]
Comecemos pela onipresença. Você consegue me dizer o que seria a onipresença de Deus?
[Laira]
Eu me lembro que Deus não tem um corpo.
[Frank]
Sim, sim: Deus não tem um corpo. A onipresença de Deus faz com que ele seja algo puramente mental ou espiritual.
[Laira]
E aí, por causa disso, dessa falta de corpo, ele não tem presença no mundo físico, no nosso mundo.
[Frank]
Exatamente. Mas ainda que ele não tenha presença no mundo físico, ele consegue interagir nele. Ele consegue agir no mundo físico – mesmo sem ter um corpo.
[Laira]
No fim, ele consegue estar em todo lugar por causa disso: ele não tem um corpo físico, finito.
[Frank]
Exatamente.
[Laira]
E a onipotência? O que exatamente se quer dizer com Deus ser todo poderoso??
[Frank]
Bom: Deus ser onipotente significa que ele tem tem poderes praticamente ilimitados, podendo fazer tudo que é logicamente possível.
[Laira]
Eu… não entendi muito bem.
[Frank]
Vamos por partes. Deus pode criar universos junto com as leis da natureza responsáveis pelo funcionamento desse universo. Isso seria um exemplo da onipotência dele. Só que, por exemplo, Deus não pode criar círculos quadrados, triângulos de quatro lados ou tornar 2 mais 2 igual a 7. Ele pode fazer coisa pra caralho, MAS isso que ele pode fazer tem que ser logicamente possível. Por isso que ele tem poderes quase ilimitados.
[Laira]
Aaaaaaa sim. Agora eu entendi os paranauê…
[Frank]
Outras coisas relacionadas a limitações da onipotência de Deus seriam a sua total incapacidade de se suicidar e de realizar uma ação intencionalmente mal.
[Laira]
Ainda tem mais coisa?
[Frank]
Com certeza! Por exemplo: Deus é eterno. Isso implica que é impossível ele acabar consigo mesmo – porque senão ele não seria um ser eterno. Além disso, Deus não pode agir na malandragem. Ele não pode dar cabo a uma ação má porque um ser infinitamente bom não seria capaz de tal coisa.
[Laira]
É: realmente ele tem poderes quase ilimitados.
[Frank]
Poisé.
[Laira]
Agora: Deus é onisciente. Isso significa dizer que ele sabe tudo, que ele sabe todas as verdades sobre o mundo. Certo?
[Frank]
Certíssima. É isso aí mesmo.
[Laira]
E o de Deus ser sumamente bom é o que tu tinha falado ainda agora né?
[Frank]
Aham: Deus não consegue agir que não seja pra fazer o bem. Ele nunca age pra fazer algo mal. Como Deus é onisciente, ele sabe o que é moralmente bom, sendo por isso que ele não erra nunca em seus juízos morais e sempre age de acordo com as regras morais corretadas.
[Laira]
Ou seja: Deus é moralmente perfeito
[Frank]
Precisamente, Laira.

Bloco 3

[Laira]
Bom: temos um conceito em comum de Deus. Agora vem o problema filosófico envolvendo esse conceito. Pergunto: Deus existe?
[Frank]
É possível dar algumas respostas positivas em relação ao problema da existência de Deus.
[Laira]
E que respostas seriam essas?
[Frank]
Tradicionalmente, é possível dizer que três respostas podem ser dadas e relação a existência de Deus. Essas três respostas são o argumento ontológico, cosmológico e teleológico.
[Laira]
Então vamos examinar com calma cada uma dessas respostas, né.
[Frank]
Tudo bem.
[Laira]
Começa aí pelo ontológico.
[Frank]
O argumento ontológico mira em provar a existência de Deus por meio da definição de Deus. Aí, dessa definição, vai decorrer a demonstração da existência.
[Laira]
E como Deus é definido nesse argumento aí?
[Frank]
Santo Anselmo de Cantuária definiu assim, ó: Deus é aquilo em relação ao qual nada maior pode ser concebido.
[Laira]
Potente.
[Frank]
Muito bom, né?
[Laira]
Sim, sim. Agora: como isso tem a ver com o argumento?
[Frank]
Essa definição aí é a premissa do argumento.
[Laira]
Huuuummmmm….
[Frank]
Aí o argumento é assim, ó: Deus é o ser do qual não se pode pensar nada mais perfeito; Existir na mente, como simples ideia, é diferente de existir na realidade;
[Laira]
Não entendi essa segunda frase…
[Frank]
Só acompanha que tu vai entender.
[Laira]
Tá bom.
[Frank]
Existir na mente, como simples ideia, é diferente de existir na realidade; Existir na mente e na realidade é mais perfeito do que existir apenas na mente;
[Laira]
Hum.
[Frank]
Se Deus existisse apenas na mente, seria possível pensar num ser mais perfeito que Ele, e que existisse na mente e na realidade; Só que Deus existir apenas na mente contradiz a definição de Deus na qual parte o argumento, saca?
[Laira]
A de que “Deus é aquilo em relação ao qual nada maior pode ser concebido”?
[Frank]
Exatamente. Aí o argumento se segue da seguinte forma: se existe essa contradição devido essa premissa aceita, né, que é a definição de Deus, então Deus deve existir tanto na mente como na realidade.
[Laira]
Aaaaaaaahhhhhhh sim. E aí Deus existe na realidade. Essa é a conclusão do argumento?
[Frank]
Isso mesmo.
[Laira]
Huuummm…
[Frank]
O que achou do argumento?
[Laira]
Achei interessante. Só que… me tira uma dúvida: existe alguma objeção contra esse argumento?
[Frank]
Existe sim. Tu percebeu que o argumento ontológico parte da definição de uma palavra para a existência dela?
[Laira]
Percebi.
[Frank]
O problema do argumento está justamente nesse salto. Uma pessoa que argumento da forma como é o argumento ontológico – como Santo Anselmo – tem um entendimento bem zoado entre entender uma palavra – e o conceito que ela traz – com ter na mente o objeto concebido pela palavra. Tipo: não é porque um certo conceito está na minha mente que isso significa que o objeto a qual esse conceito se refere exista na realidade. Essa relação não é necessária, sabe…
[Laira]
Me dá um exemplo disso aí
[Frank]
Eu posso conceber em minha mente o conceito de unicórnio. Posso definir ele bonitinho e tudo mais. Agora te pergunto: o unicórnio existe na realidade?
[Laira]
Não. Bem que eu queria, mas não: não existem na realidade. Tururuuuu…
[Frank]
Viu só? É esse salto que o argumento ontológico faz, pô. Só porque concebo Deus, definindo ele e o concebendo ele, que ele existe na realidade? Eu posso conceber e definir uma ilha perfeita. Ela vai existir na realidade? Não vai, pô.
[Laira]
É verdade…
[Frank]
No final, a objeção martela no seguinte ponto: simples palavras não tem o poder de fazer algo passar a existir na realidade.
[Laira]
É… estou de acordo.

Bloco 4

[Frank]
Bom: vamos agora pro argumento cosmológico?
[Laira]
Vamos!
[Frank]
Consegue se lembrar de algo do que leu sobre esse argumento?
[Laira]
Um pouco, olha…
[Frank]
Então diz aí o que tu se lembra dele.
[Laira]
Eu me lembro que o argumento cosmológico tem a ver com o fato do universo existir.
[Frank]
Isso mesmo.
[Laira]
E também que Deus seria a causa do universo.
[Frank]
Também, mas aí tu avançou uns passos a mais.
[Laira]
Sério?
[Frank]
Sério. Tipo: o universo existe. Fato. Agora: o argumento segue com a lógica de que todas as coisas foram causadas por outra coisa que é anterior a elas. Além disso, as coisas não passam a existir do nada, sem uma causa: tem que haver algo anterior que tenha causado a sua existência. Trazendo essa lógica pro universo, temos o seguinte: o universo tem que ter vindo de algum lugar. Ele tem que ter tido uma causa anterior. E, pro argumento cosmológico, esse algo anterior que causou o universo é Deus.
[Laira]
Huuummmmmm….
[Frank]
O que acha desse argumento?
[Laira]
Não sei se engulo essa parada aí não, ó…
[Frank]
E porque?
[Laira]
É porque se a causa do universo é Deus, quem causou Deus? Ou essa retrospectiva de causas só para em Deus??
[Frank]
Ela acaba em Deus.
[Laira]
Então nem todas as coisas causam outra coisa. Como é que eu assumo como parte do argumento “Todas as coisas terem uma causa” e no final concluir que a causa de tudo é algo que não tem causa? Isso é contraditório demais!
[Frank]
Exatamente. Estou 100% contigo. Você sozinha conseguiu perceber uma das objeções ao argumento cosmológico.
[Laira]
Aqui tem potência, pai. Num duvide de mim não!
[Frank]
Uma outra objeção seria a seguinte: a causa do universo não precisa ser Deus. Pode ser algo muito parecido com Deus, algo tão poderoso quanto e que foi lá e deu origem ao universo. Se formos levar o argumento em conta, o Deus que estamos pressupondo é aquele que realmente causou tudo? Não necessariamente. Pode ter sido um Deus 2, sei lá…
[Laira]
Verdade.

Bloco 5

[Frank]
E sobre o argumento teleológico? Tu consegue recordar de algo que leu sobre lá no texto?
[Laira]
Eu só me lembro que envolve um olho e um relógio…
[Frank]
Bom: errada você não está.
[Laira]
Do que fala esse argumento aí?
[Frank]
O argumento teleológico defende a existência de Deus apelando para a complexidade e eficiência das coisas no mundo. Quando a gente olha pra natureza, tudo é apropriado a função que ela desempenha. Se, por exemplo, examinarmos o olho humano, vamos perceber que é um negócio complexo pra cacete – e que funciona! Todas as partes que compõem um olho se conectam, se adaptam entre si e funcionam. Tudo funciona bem e gera o que já sabemos: a visão.
[Laira]
É. De certa forma é isso mesmo.
[Frank]
E aí a complexidade e a eficiência dos objetos naturais seria um indício de que eles tiverem que ter sido feitos por Deus, sabe?! Só Deus teria a capacidade de fazer tantas coisas tão complexas e que, ao mesmo tempo, funcionam.
[Laira]
Então o argumento parte de um efeito pra inferir a sua causa?
[Frank]
Exatamente. É como olhar pra um relógio. Já viu como é um relógio funcionando por dentro?
[Laira]
Não pessoalmente, mas já vi vídeos no YouTube que mostravam como é.
[Frank]
É nesse esquema: assim como um relógio foi concebido por um relojoeiro, o olho humano, por exemplo, deve ter sido concebido por um relojoeiro divino, sabe? E esse relojoeiro divino seria Deus.
[Laira]
Então… no final, o que tá rolando é uma analogia?
[Frank]
Isso mesmo: a analogia é a base do argumento teleológico. Os objetos complexos que os humanos constroem apresentam complexidade e eficiência. As coisas da natureza também apresentam complexidade e eficiência – muitas vezes ainda maior.
[Laira]
E aí se um humano cria coisas complexas, então algo ainda mais pica criou essas coisas complexas que nós vemos na natureza.
[Frank]
Exatamente. Por isso a natureza pipoca indícios de que foi Deus que a criou – e de que ele nos criou também.
[Laira]
Hhhhuuuuuuuummmmmmmmm…..
[Frank]
E aí: o que acha desse argumento?
[Laira]
Olha… não tô convencida não.
[Frank]
O argumento não te persuadiu?
[Laira]
Nenhum pouco!
[Frank]
Então diga quais são as suas objeções.
[Laira]
Eu pensei em pelo menos duas.
[Frank]
Porra! Muito bom. Diga diga!
[Laira]
Tá. Uma das coisas que tinha pra dizer é sobre esse negócio de complexidade e eficiência. Eu reconheço que muitas coisas funcionam bem e são complexas, mas nem tanto. Eu tenho miopia, por exemplo. Meu olho, ainda que seja complexo, não funciona bem pra ver de longe – fica tudo embaçado. Outra coisa sobre o olho: ele pode ter catarata. Isso tudo são problemas que o olho pode vir a ter. Se foi Deus que criou tudo, incluindo nosso olho, então ele é um Deus fraco. Deus num é onisciente e onipotente? Então ele sabe como é um olho humano perfeito, que vai dar babau. E ele também sabe como criar esse olho. Porque ele não fez isso de partida? Porque ele nos deu um olho que vai apresentar falhas?
[Frank]
Muito bom, olha. Se o olho dá ruim, então ele criou um inferior ao que realmente seria bom de verdade. E ele não deixaria passar isso batido. Se deixou é porque ele é fraco, mais fraco do que a gente imagina.
[Laira]
Exatamente! E outra coisa: eu vi Cosmos!
[Frank]
O original, com o Carl Sagan, ou o novo que é com o Neil deGrasse Tyson?
[Laira]
O novo! E em um dos episódios do novo eu aprendi que milhões e milhões de anos foram necessários para esculpir o olho humano. O olho é complexo, sim, mas o nosso conhecimento atual – mais precisamente o nosso conhecimento a partir da teoria da evolução – consegue explicar porque as coisas da natureza são complexas e tudo mais. Não precisamos de Deus: só precisamos de milhões ou bulhões de anos de seleção natural.
[Frank]
Exatamente. A teoria da evolução pela seleção natural defendida por Charles Darwin no seu livro A origem das Espécies nos oferece uma explicação alternativa, amplamente aceita e recheada de evidências contando à favor dela. E é com ela que a gente explica a criação dos seres com vida na natureza – não importa o quão complexa ela venha a ser.
[Laira]
Ai ai… vimos os três argumentos e nenhum me persuadiu sobre a existência de Deus
[Frank]
Calma que ainda falta mais um argumento – só que agora contar a existência de Deus.

Bloco 6

[Laira]
Quais argumentos temos contra a existência de Deus?
[Frank]
Olha: temos alguns, mas vou falar apenas de um – que é bem conhecido, até.
[Laira]
E qual é esse argumento?
[Frank]
Na verdade é um problema. O chamam de problema do mal.
[Laira]
Olha só que nome curioso.
[Frank]
Poisé. É um nome bem autoexplicativo, até, porque o problema do mal trata do mal do mundo e da sua incompatibilidade com a existência de Deus. Aí o que se defende é que, por causa da existência do mal, não é possível defender a existência de Deus.
[Laira]
Huuuummmmmm… É só isso?
[Frank]
Não, não: existem objeções ao problema do mal e respostas as objeções.
[Laira]
Então pode mandar brasa.
[Frank]
Pode-se dizer que o problema do mal argumenta a incompatibilidade das seguintes afirmações: (1) Deus é onisciente; (2) Deus é onipotente; (3) Deus é perfeitamente bom; (4) O mal existe. Essas quatro afirmações, de cara, tu vê que são incompatíveis. Porque? Porque o mal existe no mundo. Ponto. Se o mal existe, ou Deus não é onipotente, ou ele não é onisciente ou ele não é perfeitamente bom.
[Laira]
Perai que acho que tô um pouco confusa. Pode me dar alguns exemplos? Só pra deixar mais claro o que tu tá falando.
[Frank]
É bem simples, Laira: Se Deus é onisciente, ele sabe que o mal existe. Se Deus é onipotente, ele pode evitar que o mal exista. Se Deus é perfeitamente bom, então ele não iria querer que o mal existisse.
[Laira]
Mas o mal existe. Aaaaahhhhhh……..
[Frank]
Viu o problemão?
[Laira]
Agora eu viiii…
[Frank]
Além disso aí, o mal tem alguns tipos, sabia?
[Laira]
Não fazia a menor ideia
[Frank]
Temos o mal moral e o mal natural. O mal moral é todo aquele mal causado por seres morais conscientes, como os seres humanos. Falo de danos como o roubo, assassinato, a mentira, o descumprimento de uma promessa, o estupro e por aí vai. Agora: o mal natural é aquele mal que causa dano por meio de eventos que não são provocados pelos seres humanos. Por exemplo: um terremoto, um furacão, uma seca, um tsunami, um incêndio. É o mal causado por fatores naturais.
[Laira]
Gostei dessa distinção. Achei muito útil. De verdade!
[Frank]
Vamos já tê-las em conta.
[Laira]
Como assim?
[Frank]
Bom: é que tentaram resolver o problema do mal, né… E as resoluções vão na ideia de tornar compatível as quatro afirmações que te disse antes. Por exemplo: o mal de justifica devido ele conduzir as pessoas a uma maior virtude moral. Tipo: sem a existência da pobreza, de doenças, de guerras, da tortura e da crueldade, não haveriam santos nem heróis para livrar as pessoas dessas situações. Ou seja: o mal permite a existência do bem, que é maior que o mal, para que ele triunfe sobre o mal que assola a humanidade.
[Laira]
Caralho: mas que resolução merda, em?
[Frank]
Oxe. E porque já?
[Laira]
Pra que causar ou deixar existir tanto mal só pra cultivar nas pessoas o bem? Num é melhor fazer as pessoas cultivarem o bem sem precisar de tanta desgraça?
[Frank]
Olha: eu tô contigo. Eu prefiro um mundo sem mal ou com o mínimo de mal possível. Mas… o que acha do livre arbítrio?
[Laira]
Oooolha só é verdaaaade! Nem tinha me lembrado do livre arbítrio, ó. Ele pode ser uma resposta ao problema do mal, certo?
[Frank]
Pode ser sim.
[Laira]
Como a gente tem o livre arbítrio, a gente pode acabar fazendo o mal. Por isso que o mal existe. Só que o livre arbítrio como resposta não abarca o mal natural, né? porque ele não é causado pelos seres humanos….
[Frank]
Você entendeu a resposta e logo percebeu uma objeção a ele. Excelente! Muito bom muito bom!!!
[Laira]
Então é isso? A resposta não tem futuro por não explicar o mal natural?
[Frank]
Não não: tem outra objeção a essa solução. Deus é onipotente, certo? Ele num poderia ter criado um mundo onde não existisse o livre arbítrio sem existir o mal? Ele é onisciente, né, então ele sabe como fazer isso. Assim a gente teria liberdade pra agir mas sempre agiria sem ir pro mal, sabe…
[Laira]
Poxa: ele nem fez isso, né. Mais uma vez Deus não é todo-poderoso assim…
[Frank]
Ou ele não é perfeitamente bom…
[Laira]
Num tem nenhuma resposta ao problema que abarque o mal natural, não? Porque o livre arbítrio deixa ele de fora.
[Frank]
Tem sim! Uma solução seria a de que a regularidade das leis da natureza é benéfica, ainda que ela cause certas calamidades aqui e ali ocasionalmente. Como essa regularidade nos ajuda a prever as coisas – ajuda na construção da nossa ciência, por exemplo -, os seus benefícios superam os eventuais malefícios – que são aqueles que causam o mal natural.
[Laira]
Então o mal natural é tipo um efeito colateral da regularidade das leis da natureza?
[Frank]
Isso mesmo.
[Laira]
Pô: mas aí a gente volta ao mesmo problema de antes! Deus num poderia ter criado um mundo, um universo com leis da natureza regulares que não causasse esse efeito colateral?
[Frank]
Poderia sim. Porque ele não fez isso eu não sei…
[Laira]
Eu tô começando a achar que Deus não existe, em… Tá difícil pro lado dele!
[Frank]
Dá pra ir mais fundo nesse assunto, Laira. Só que ele fica ainda mais complicado!

Encerramento

[Laira]
Olá, gente! Eu sou Laira Maressa, sou biomédica e pesquisadora da Fiocruz Amazônia.
[Frank]
Olá, pessoas esclarecidas! Aqui quem fala é Frank Wyllys e sou tanto filósofo público quanto tenho TDAH.
[Laira]
Esse é o segundo episódio da terceira temporada do podcast onde trato de boa parte dos mais conhecidos problemas filosóficos que perpassam o cotidiano das pessoas. Além disso, vale destacar que essa é uma temporada 100% financiada pela Manauscult por meio do edital de cultura de nome Thiago de Mello na sua versão novos Talentos. Fica registrado meus agradecimentos a Manauscult pela oportunidade e pela premiação em dinheiro.
[Frank]
Dito isto, o episódio está embasado em algumas referências e vale destacar parte delas. Uma dessas referências é o capítulo “Deus” do livro de título “Elementos básicos de filosofia”. O autor do livro é o filósofo Nigel Warburton e a editora do livro é a Gradiva. Uma outra referência seria o capítulo “Deus” do livro de título “Metafísica: conceitos-chave em filosofia”. O autor do livro é o filósofo Brian Garret e a editora do livro é a Artmed. Ainda uma outra referência seria o capítulo “Filosofia da Religião” do livro de título “Filosofia: Uma Introdução por Disciplinas”. O autor do capítulo é o filósofo Agnaldo Cuoco Portugal e a editora do livro é a Edições 70.
[Laira]
Por fim, siga o podcast na internet! Você pode fazer isso nos seguindo no seu aplicativo ou serviço favorito de podcast – Spotify, Google Podcasts, Deezer, Amazon Music, Stitcher ou Castbox – ou nos seguindo nas redes sociais: no Facebook, Instagram e TikTok é @esclarecimentop – tudo junto e minúsculo – e no Twitter é @esclarecimento_ – tudo junto e minúsculo também.
[Frank]
Isso é tudo por hoje, pessoal.
Até o próximo episódio!
[Laira]
Tchau tchau!


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