Transcrição do sétimo episódio da terceira temporada publicado no dia 29 de setembro de 2023.
Bloco 1
[Laira]
Sabe, Frank: eu estive pensando se realmente é importante que as pessoas sejam morais. O que você acha?
[Frank]
Olha só… Você é muito filósofa para alguém que estuda medicina.
[Laira]
Tu acha?
[Frank]
Não, não: tô brincando. É normal as pessoas terem ou chegarem a questionamentos filosóficos. Você só tem isso com mais intensidade e, por sorte, pode conversar sobre isso com alguém da área.
[Laira]
É verdade… Mas e aí: o que você acha?
[Frank]
Bom: eu não quero viver num lugar em que as pessoas ajam adoidado, né, sem a devida ponderação de suas ações. Então sim: acho importante que as pessoas sejam morais. Agora… te pergunto o seguinte: a moralidade é absoluta ou varia de pessoa para pessoa?
[Laira]
Ih!
[Frank]
Poisé, Laira: a gente pode falar de moralidade no cotidiano a vontade. Mas sem antes assumir algumas bases, fica difícil avançar com qualidade em cima dos problemas que poderemos enfrentar.
[Laira]
Verdade. Pra você: a moralidade é absoluta ou ela varia?
[Frank]
Tu tá devolvendo a minha pergunta?
[Laira]
Tô porque eu não sou besta e porque tu é quem sabe de filosofia k
[Frank]
Não esperava essa invertida…
[Laira]
E aí: o que tu acha?
[Frank]
Eu acho que a gente está avançando sem considerar algumas coisas antes. Na verdade, acho que a gente pode parar pra pensar do seguinte problema: a moral é objetiva?
[Laira]
Mas porque devemos focar em resolver esse problema filosófico?
[Frank]
Porque a gente primeiro precisa entender o que é um juízo moral, um juízo de valor, e aí a gente tem que se perguntar se juízos morais tem valor de verdade. Indo mais longe, se juízos morais tem valor de verdade, é preciso perguntar se o valor de verdade desses juízos é independente de qualquer perspectiva. E, tipo: perguntar se a moral é relativa significa responder, por exemplo, que o valor de verdade dos juízos morais não independe de qualquer perspectiva.
[Laira]
Huuuummmm… então o que tu tá propondo é uma organização da parada pra gente chegar em algum ponto. Certo?
[Frank]
Isso mesmo. Minha ideia é que a gente faça isso tentando vislumbrar no caminho as opções disponíveis e julgar essas opções.
[Laira]
Eu tô contigo nessa. Por mim a gente segue esse caminho aí que tu apontou.
[Frank]
Beleza, então!
Bloco 2
[Laira]
Tu vai começar do começo?
[Frank]
Vou sim: pelos juízos morais. Aliás: tu sabe o que é uma proposição?
[Laira]
Não sei, Frank.
[Frank]
Olha: uma proposição seria uma afirmação que tem valor de verdade.
[Laira]
Mas o que é valor de verdade?
[Frank]
O valor de verdade se refere a proposição ser ou não verdadeira a depender da sua correspondência com a realidade. Se corresponder, é verdadeira; caso contrário, é falsa.
[Laira]
Nhaaammmm… mas, tipo: o que tem haver proposição com juízos morais?
[Frank]
É que que existem dois tipos de juízos: os de fato e os de valor. Os juízos de fato são a mesma coisa que proposições, focando na descrição da realidade. Quando alguém diz “A lua é o satélite natural da Terra”, está fazendo um juízo de fato, falando uma proposição verdadeira.
[Laira]
E os juízos de valor?
[Frank]
Os juízos de valor são diferentes, pois são normativos, onde a realidade deve se adequar ao juízo. Se uma pessoa diz que “O aborto é errado”, essa pessoa diz tanto que a realidade deve se adequar a esse juízo quanto busca influenciar o comportamento das pessoas de que a realidade deve ser assim, pois reprova essa prática e quer que os outros pensem o mesmo.
[Laira]
Tá: eu entendi o que é um juízo de valor. Mas porque eu tenho que saber sobre isso?
[Frank]
É porque é nesse tipo de juízo que a gente vai se concentrar – fora que é preciso clareza entre eles dois sobre que tipo de juízo vai ser trabalhado.
[Laira]
Ah sim. Beleza.
[Frank]
Uma outra coisa que eu gostaria de falar é que, a partir de agora, juízo moral deve ser considerado a mesma coisa que juízo de valor.
[Laira]
Os dois serão sinônimos?
[Frank]
Os dois serão sinônimos. E, agora, o mais importante: pra compreender a natureza do juízo moral, a gente preciso responder dois problemas. O primeiro seria sobre os juízos morais terem valor de verdade. O segundo seria sobre o valor de verdade dos juízos morais independerem da perspectiva de qualquer sujeito existente.
[Laira]
Olha: eu acho que os juízos morais tem valor de verdade…
[Frank]
É? Porque??
[Laira]
É porque, tipo, de alguém fala que “roubar é correto”, não somente eu, mas praticamente qualquer pessoa vai discordar disso, vai considerar esse juízo como falso. E pra considerar ele falso é preciso que ele tenha valor de verdade.
[Frank]
Concordo contigo, Laira.
[Laira]
Agora não sei responder de imediato o segundo problema. Vai ser preciso tu me falar um pouco mais sobre preu poder determinar que resposta eu vou dar, né…
[Frank]
Se preocupe não que já vamos resolver isso.
Bloco 3
[Laira]
E aí: como é que fica em relação ao segundo problema?
[Frank]
Bom: o problema do valor de verdade independer de qualquer perspectiva depende de responder um sim ou um não, onde o não compreende uma série de respostas teóricas.
[Laira]
Vai começar pelo não?
[Frank]
Vou sim. Na verdade vou apresentar e analisar junto contigo o subjetivismo moral, o relativismo cultural e a teoria dos mandamentos divinos.
[Laira]
Excelente. Pode falar que eu vou prestar atenção.
[Frank]
Vamos começar pelo subjetivismo moral. O subjetivismo moral é a teoria onde os fatos morais existem, mas não são objetivos. Ou seja: o valor de verdade depende da perspectiva do sujeito que faz o juízo moral, sendo portanto subjetivos. Logo, uma pessoa que defende o subjetivismo moral diz que o bem ou o mal, o certo ou o errado, são subjetivos, variam de pessoa pra pessoa, existindo apenas opiniões morais ao invés de verdades morais universais.
[Laira]
E como funciona essa variação?
[Frank]
Essa variação depende dos sentimentos de aprovação ou reprovação de uma pessoa. Quando uma pessoa diz que certa ação é errada, ela está apenas dizendo que tem sentimentos negativos em relação a essa ação.
[Laira]
Bom: partindo do que tu disse aí, eu acho que um ponto positivo desse subjetivismo moral está nele levar ao respeito sobre as posições morais dos outros.
[Frank]
Tu acha?
[Laira]
Acho! Se uma pessoa reprova o aborto e você aprova o aborto, resta respeitar o ponto de vista de cada um, pois cada um dos juízos morais existentes são válidos. Ou seja: o subjetivismo promove a tolerância ente indivíduos com convicções morais distintas.
[Frank]
Olha: bem pensado, Laira. Faz sentido. Só que o subjetivismo moral sofre com algumas objeções.
[Laira]
Novidade que sofre. E quais são essas objeções?
[Frank]
Uma objeção ao subjetivismo moral está nele tornar qualquer juízo moral verdadeiro, pois é completamente arbitrário quando algo é certo ou errado. Por exemplo: uma pessoa pode tomar como certo cortar a mão de um ladrão. Outra pessoa pode ajuizar que é certo separar pessoas pretas de pessoas brancas. De acordo com o subjetivismo, como o certo e o errado varia de pessoa pra pessoa, algumas pessoas podem achar essas coisas como certas – abrindo espaço para que muitas coisas consideradas pela maioria das pessoas como injustas ou imorais sejam juízos morais verdadeiros.
[Laira]
É… eu meio que já havia imaginado essa objeção. É realmente um absurdo dos grandes. Agora: eu acho que consegui pensar em uma objeção ao subjetivismo.
[Frank]
Pode mandar bala
[Laira]
O o subjetivismo moral, né, meio que tira o sentido de existir um debate racional sobre questões morais. Um exemplo seria uma pessoa ser racista. Pra grande maioria das pessoas o racismo é moralmente incorreto, é errado. Só que, no subjetivismo, de nada adianta mostrar pra essa pessoa que ela está errada porque o certo e o errado são criações individuais, onde cada um acha o que é correto ou não. Mas o racismo não somente não é correto como não se deve tolerar essa posição. Mas fica difícil debater ou convencer a pessoa de que ela está errada no subjetivismo.
[Frank]
Concordo plenamente contigo, Laira.
Bloco 4
[Laira]
Qual é a próxima teoria? Eu já esqueci k
[Frank]
É o relativismo moral, Laira.
[Laira]
Eu já ouviu falar do relativismo, mas que nunca foi atrás pra saber o que exatamente é o relativismo…
[Frank]
Olha: especificamente em relação a ética, o relativismo advoga a correção dos juízos morais a depender da sociedade ou cultura em que uma pessoa vive.
[Laira]
Então o relativismo trabalha, tipo, com a aprovação social dos juízos morais?
[Frank]
Sim. É porque o certo e o errado seriam convenções sociais estabelecidas numa sociedade. Uma sociedade pode aprovar a eutanásia, mas uma outra sociedade reprovar tal prática.
[Laira]
Bom: o que tu me falou até agora não é algo muito longe do que eu tava imaginando… No final, as sociedades tem códigos morais diferentes.
[Frank]
Essa diversidade de códigos morais seria um argumento à favor do relativismo, pois existem morais diferentes em culturas diferentes. Numa sociedade o aborto e a homossexualidade são aceitáveis, sendo o inverso numa outra sociedade. A existência dessa diversidade de posições morais seria um ponto a favor da teoria, pois explica esse fenômeno observável na realidade.
[Laira]
Considerando o que tu me disse até aqui, eu diria que relativismo moral traria uma uma coisa positiva também levantada no subjetivismo: a tolerância. Concorda?
[Frank]
Concordo, sim.
[Laira]
A existência de morais diferentes nos incita a adotar uma posição de tolerância e compreensão em relação as posições morais adotadas em outras sociedades que não sejam aquela em que vivemos.
[Frank]
E digo mais: o relativismo promove a coesão social, pois os integrantes de uma determinada sociedade ficam unidos, entre outras coisas, pelas posições morais compartilhadas nessa sociedade.
[Laira]
Bom: o relativismo moral parece estar em melhor posição do que o subjetivismo moral. Não acha?
[Frank]
Eu acho o mesmo. MAS… o relativismo também sofre com algumas objeções. Por exemplo: se a maioria de uma sociedade achar que a homossexualidade é imoral ou que as mulheres devem receber menos no trabalho, sinceramente, essa maioria está errada. Seja por ignorância ou qualquer outra coisa do tipo, as pessoas nessa sociedade não tem posições morais boas.
[Laira]
É… isso é realmente um problema. Uma sociedade pode ter essas e outras posições morais ruins e ainda sim o relativista vai defender que essas posições não estão erradas, nos restando apenas tolerá-las. Isso aí é difícil de engolir.
[Frank]
A tolerância está envolvida em outra objeção ao relativismo. Como tu observou bem, é muito forçoso tolerar práticas morais de uma sociedade que acha que a homossexualidade é imoral ou que as mulheres devem receber menos no trabalho. Essa sociedade, ainda por cima, pode ter outras práticas vistas como antiquadas ou até mesmo inaceitáveis, como por exemplo aprovar o infanticídio.
[Laira]
No fim, nem sempre a tolerância é desejável.
[Frank]
Concordo.
Bloco 5
[Laira]
Tem mais alguma teoria a ser apresentada?
[Frank]
Tem mais uma: a teoria dos mandamentos divinos.
[Laira]
E o que ela diz?
[Frank]
Nessa teoria, que tem como ideia de fundo a ética se basear na religião, o certo e o errado foram estipuladas por Deus. Ou seja: uma ação é certa quando é aprovada por Deus, assim como uma ação é errada quando é reprovada por Deus.
[Laira]
Então a nossa moral é estabelecida pela vontade de Deus?
[Frank]
Isso aí.
[Laira]
E onde é que a gente encontra a vontade de Deus para sabermos o que é certo ou é errado?
[Frank]
Deus nos deu o conhecimento da sua vontade de diversas formas. Os dez mandamentos seriam um exemplo claro de conjunto de regras que expressam a vontade do Senhor. E por falar em dez mandamentos, a bíblia é seria o lugar mais privilegiado pra se obter o conhecimento da vontade de Deus.
[Laira]
Eu estou incomodada… quem sabe o que tenho na verdade seja uma objeção, até…
[Frank]
Pois diga.
[Laira]
Acho que os juízos morais de Deus podem ser arbitrários. Por exemplo: Deus ordena que não matemos ou que não roubemos. Até aí tudo bem. Só que Deus pode dizer que mentir é correto. Sabemos que mentir, na verdade, é incorreto, é algo errado. Só que é Deus que estipula o que é certo e o que é errado. E aí podemos tomar como moral coisas imorais só porque Deus assim estipulou.
[Frank]
É… reconheço que essa é uma objeção possível. Mas ela tem uma saída: Deus é sumamente bom. Logo, mesmo que Deus possa estipular juízos morais errados, ele não o fará.
[Laira]
Poxa é verdade… mas eu ainda continuo incomodada. Tipo: é muito complicado aceitar a teoria dos mandamentos divinos porque ela só faz sentido para quem acredita na existência de Deus. Só que nem todos tem essa crença. Uma ética baseada na religião não faz sentido para essas pessoas. Além disso, uma pessoa ateia não é amoral só porque não baseia sua ética na religião.
[Frank]
Olha… concordo com seu incômodo. Fora que o que tu me falou também é uma objeção. Uma possibilidade de sair desse problema seria rejeitar a teoria.
[Laira]
Mas a rejeição da teoria implica automaticamente na não existência de Deus?
[Frank]
Não, não. Uma pessoa pode acreditar em Deus e ainda sim reconhecer que Ele não é a fonte dos nossos juízos morais.
Bloco 6
[Laira]
Ainda tem mais alguma teoria a ser apresentada?
[Frank]
Tem não, Laira.
[Laira]
Então foram apresentadas até aqui três teorias defendendo o não em relação ao valor de verdade dos juízos morais independer de qualquer perspectiva, e nenhuma delas é robusta ou não sofre com objeções crônicas. Então só me resta responder que SIM a pergunta.
[Frank]
Olha: se tu responde que sim, então ela está tomando partido do objetivismo moral.
[Laira]
Objetivismo moral? Huuumm.. pelo nome, já até suspeito o que seja, mas pra eu não ficar voando, me diz aí o é esse objetivismo…
[Frank]
O objetivismo moral advoga o raciocínio cauteloso e objetivo sobre nossas questões morais. Ou seja: temos que tentar compreender bem as razões, os fundamentos dos juízos morais, de modo que o juízo, e principalmente a sua justificação, seja aceitável racionalmente por qualquer indivíduo em qualquer sociedade.
[Laira]
Então, quanto melhor for a nossa justificação para um juízo moral, mais teremos motivos pra considerar ele objetivamente verdadeiro?
[Frank]
Isso mesmo. É que o foco do objetivista é procurar critérios de valoração que estejam além da perspectiva única das pessoas e que permita a avaliação imparcial das ações das pessoas. Esses critérios seriam entendidos por todo e qualquer indivíduo racional e seria aplicado por ele – independente de motivos ou interesses particulares.
[Laira]
Mas como significa aplicar o objetivismo na prática?
[Frank]
Bom: a aplicação do objetivismo leva a algumas teorias que são conhecidas como teorias da obrigação – como a ética deontológica do Kant e o utilitarismo do Mill.
[Laira]
Mas tu vai falar dessas teorias?
[Frank]
Poxa: eu até queria, mas agora eu tenho que ir pra minha aula…
[Laira]
Poxaaaa… tá bom, Frank. Vale pela conversa.
[Frank]
Na janta do RU a gente se fala.
[Laira]
Beleza. Manda mensagem pra mim no Telegram avisando!
[Frank]
Mando sim.
Agradecimentos
[Laira]
Olá, gente! Eu sou Laira Maressa, sou estudante de biomedicina e pesquisadora da Fiocruz Amazônia.
[Frank]
Olá, pessoas esclarecidas! Aqui quem fala é Frank Wyllys e sou tanto filósofo público quanto tenho TDAH.
[Laira]
Esse é o sétimo episódio da terceira temporada do podcast onde trato de boa parte dos mais conhecidos problemas filosóficos que perpassam o cotidiano das pessoas. Além disso, vale destacar que essa é uma temporada 100% financiada pela Manauscult por meio do edital de cultura de nome Thiago de Mello na sua versão novos Talentos. Fica registrado meus agradecimentos a Manauscult pela oportunidade e pela premiação em dinheiro.
[Frank]
Dito isto, o episódio está embasado em algumas referências e vale destacar parte delas. Uma dessas referências são os capítulo “Valores e valoração” e “Valores e cultura” do manual escolar português “A Arte de pensar: Filosofia 10º Ano – Volume 1”. Vários são os autores do livro – como, por exemplo, o Aires Almeida – e a editora do livro é a Editora Didáctica. Uma outra referência foram os vários capítulos do livro “Os elementos da filosofia”. Os autores do livro são os filósofos James Rachels e Stuart Rachels e a editora do livro é a AMGH.
[Laira]
Por fim, siga o podcast na internet! Você pode fazer isso nos seguindo no seu aplicativo ou serviço favorito de podcast – Spotify, Google Podcasts, Deezer, Amazon Music ou Castbox – ou nos seguindo nas redes sociais: no Facebook, Instagram e TikTok é @esclarecimentop – tudo junto e minúsculo – e no Twitter é @esclarecimento_ – tudo junto e minúsculo também.
[Frank]
Isso é tudo por hoje, pessoal.
Até o próximo episódio!
[Laira]
Tchau tchau!