Primeiro episódio da temporada sobre epistemologia publicado no dia 16 de Agosto de 2021.
[INÍCIO DO EPISÓDIO]
[FRANK]
Imagine que esteja no seu quarto e acaba por ouvir o barulho de uma batida de carro.
[SOM DE BATIDA DE CARRO]
[FRANK]
Crê de imediato que alguém pode ter se ferido e sai em direção à rua na frente da sua casa.
[SOM DE PASSOS RÁPIDOS]
[FRANK]
Mas ao chegar na sala, observa que seus pais estão vendo um filme de ação.
[SOM DE FUNDO DE UM FILME]
[FRANK]
Percebe então que sua crença era falsa, pois o barulho da batida veio do filme que estava sendo assistido.
[SOM DE UMA BATERIA TOCANDO JAZZ]
[FRANK]
O que nos interessa nesse cenário imaginário é a crença: a sua falsidade e o seu impacto em relação ao que sabemos. O que é uma crença e qual o seu papel em relação ao conhecimento?
Meu nome é Frank Wyllys e este é o primeiro episódio do Esclarecimento.
[PAUSA SILENCIOSA]
[FRANK]
Antes de começar, será preciso dar alguns passos para trás.
Bom: vamos começar.
[MÚSICA DE LO-FI]
[FRANK]
De início, a crença não será tratada aqui pela via da psicologia, mas sim da filosofia – mais precisamente pela epistemologia, que é a disciplina filosófica que trata sobre o conhecimento. Com esse foco em mente, ainda vai ser preciso entender rapidamente o que é uma frase e uma proposição, pois sem isso a noção de crença a ser apresentada não vai ficar tão clara e precisa quanto se esperaria.
Uma frase, a princípio, é uma sequência completa e gramaticalmente correta de palavras de uma língua natural. Por exemplo: “Perda de paladar é um sintoma de COVID”. isso é uma frase; mas “Não sol no azul céu” não é uma frase. Além disso, uma frase é usada para exprimir várias coisas: fatos, desejos, perguntas, dar uma ordem, fazer uma ameaça etc. Por exemplo: “Ponha corretamente a máscara ao sair de casa” é uma ordem. Mas o que vai nos importar aqui é a frase declarativa, ou seja, aquela frase que se refere apenas a expressão de fatos.
Em seguida temos a proposição. A proposição é o pensamento literalmente expresso por uma frase declarativa e que é passível de valor de verdade. Logo, quando digo em inglês “the snow is white” e em português que “a neve é branca”, ainda que sejam frases declarativas de idiomas diferentes, elas expressam a mesma proposição: a de que a neve tem a cor branca. Por fim, com relação ao valor de verdade, quero dizer que a proposição é verdadeira ou falsa a depender do pensamento por ela expressa corresponder ou não na realidade. Logo, quando digo que “neva lá fora”, isso é falso, pois moro em Manaus – ou seja: é mais provável ser verdadeira a proposição “chove lá fora”.
[MÚSICA DE LO-FI DESAPARECENDO AO FUNDO]
[FRANK]
Entendido o que é uma frase, comecemos pelo básico: o que é uma crença?
[MÚSICA DE LO-FI]
[FRANK]
A crença é uma representação mental da realidade expressável através de uma proposição. Por exemplo: um pessoa acredita que a Terra é plana. Isso é uma crença em razão do seguinte: ela representa em sua mente – e pensa a partir disso – que a realidade – ou um certo aspecto dela – tem a seguinte configuração: o formato do planeta Terra é plano – e não esférico, como é o caso sobre a referida propriedade do planeta em que vivemos. Além disso, essa pessoa consegue expressar essa crença por meio de uma frase do tipo declarativa – seja usando de ondas sonoras ou marcas sobre o papel. Em resumo, ter uma crença é ter algo parecido com o Google Maps, pois esse serviço oferece uma representação até que bastante fiel dos lugares na Terra.
[MÚSICA DE LO-FI DESAPARECENDO AO FUNDO]
[PAUSA SILENCIOSA]
[FRANK]
Vamos nos aprofundar um pouco mais na crença, pois é possível dizer bem mais coisas sobre esse conceito. Farei isso agora buscando duas coisas: apresentar duas teorias da crença, onde estas buscam explicar o que ela é, e também articularei algumas características da crença, pois valem a pena ser mencionadas.
Comecemos pelas teorias.
[MÚSICA DE LO-FI SURGINDO AO FUNDO]
[FRANK]
A definição de crença por mim introduzida é uma definição representacionalista da crença. Sendo esta a que parece melhor abarca as nossas intuições, o representacionalismo é a teoria que trata a crença como uma entidade que fica armazenada em nossa mente e que tem a forma de um fato ou uma proposição sobre o mundo. Tal teoria pode ser desdobrada em ao menos duas vertentes.
A primeira vertente considera as crenças como proposições dentro de uma linguagem de pensamento, onde essa proposição tem por conteúdo ser uma “representação” daquilo que se referem no mundo e estando disponíveis para serem usadas de forma apropriada nos mais diversos raciocínios que essa crença envolver. Um exemplo seria crer que “o copo está sob a mesa”, onde o que vem à mente é a imagem de um objeto de nome copo estando por cima de um imóvel de nome mesa.
A segunda vertente considera a crença como uma representação que se origina da capacidade de um organismo rastrear satisfatoriamente bem as características do mundo. Essa vertente, portanto, leva em consideração a evolução dos organismos, onde aqueles que são bem-sucedidos conseguem ter uma boa noção do ambiente ao seu redor. Ademais, esse organismo pode vir a se desenvolver de tal forma a ponto de criar um sistema capaz de lidar com essa função, fixando em si essa capacidade de guiar bem o seu comportamento a depender do quão bem está representando o que o cerca.
Por exemplo: “[…], certas bactérias marinhas contêm ímãs internos que se alinham com o campo magnético da Terra. No hemisfério norte, essas bactérias, guiadas pelos ímãs, se propelem em direção ao norte magnético. Como no hemisfério norte o norte magnético tende para baixo, eles são transportados para águas e sedimentos mais profundos, e para longe de águas superficiais tóxicas e ricas em oxigênio. Podemos então dizer que o sistema magnético dessas bactérias é um sistema representacional que funciona para indicar a direção de ambientes benignos ou pobres em oxigênio.”
Uma outra teoria sobre a crença é o eliminativismo. O eliminativismo defende a inexistência de crenças. Como procede essa defesa? Bom: quem corrobora essa visão advoga que a psicologia popular, aquela concepção cotidiana que as pessoas têm sobre a mente, é uma teoria equivalente às teorias pré-científicas. E assim como as teorias pré-científicas foram derrubadas pelo desenvolvimento científico feito em cima desses assuntos, a psicologia científica e a neurociência avançarão o suficiente a ponto de derrotar essa psicologia popular. A crença entra aqui nesse bolo dado ser uma entidade postulada por essa psicologia popular. Logo, quando for atingido um certo nível de desenvolvimento científico sobre tudo aquilo que a crença abarca, assim como outros assuntos, não haverá mais espaço e motivo para fazer uso dessa entidade mental. No fim, se o conceito de crença não se faz presente nessa compreensão científica mais madura, então ninguém acredita em nada, pois não existe crença.
[MÚSICA DE LO-FI DESAPARECENDO AO FUNDO]
[PAUSA SILENCIOSA]
[FRANK]
Seguindo adiante, vou definir aqui duas coisas. A primeira é sobre a posição que irei tomar: considerarei a concepção representacionalista de crença, mais especificamente na sua primeira vertente. A segunda é alertar sobre a existência de outras teorias da crença, como por exemplo o disposicionalismo, interpretacionismo, funcionalismo e instrumentalismo. Assim: para uma introdução elementar ao conceito de crença, apresentar o representacionalismo e o eliminativismo parece ser mais do que o suficiente.
[PAUSA SILENCIOSA]
[FRANK]
Passemos agora para as características da crença, onde gostaria de apresentar aqui duas delas.
[MÚSICA DE LO-FI HIP HOP SURGINDO AO FUNDO]
[FRANK]
A primeira característica trata da noção de graus de crença. Ora: uma característica bem interessante sobre a crença é a dela não ser rígida, digamos assim, mas poder variar em grau. Ou seja: minha crença na verdade de uma proposição pode ser maior, menor ou igual em comparação a outra proposição do tipo. É muito mais provável ser verdadeiro a crença de que eu estou sendo ouvido agora por você do que, por exemplo, ser verdadeiro a crença de que o kit COVID fornece um tratamento precoce contra o novo coronavírus. Ter essa variação em conta é importante, pois nem todas as nossas próprias crenças estão em pé de igualdade, assim como estas podem variar de pessoa para pessoa.
A segunda característica envolve a relação da verdade com a crença. Ora: algo bastante comum em relação a crença é a de que esta detém uma normatividade. Em outras palavras, a crença é verdadeira ou falsa a depender da sua representação corresponder com aquilo que se refere no mundo, como se fosse governada por uma direção de encaixe. Se creio que a Terra é plana, essa crença representa acertadamente a realidade se assim a realidade for. Mas sabemos que essa crença é falsa, pois a Terra não tem tal formato. Diante disso, resta abandonar essa crença e substituí-la por outra que represente de forma verdadeira o formato da Terra. Perceba… perceba que a normatividade da crença a leva a ter uma condição de correção: a verdade. Se você tem uma crença e esta é falsa, resta abandoná-la e substituí-la por uma crença verdadeira – se isso for possível.
[MÚSICA DE LO-FI DESAPARECENDO AO FUNDO]
[PAUSA SILENCIOSA]
[FRANK]
O que foi dito até aqui nos permite pensar melhor sobre algumas coisas do nosso dia a dia envolvendo crenças.
[MÚSICA DE LO-FI HIP HOP]
[FRANK]
Ter uma crença não significa que ela é verdadeira, pois é possível que esteja na posse de uma crença falsa. Ou seja: existe uma distinção entre verdade e crença. Isso é importante, pois uma pessoa que não conhece essa distinção pode pensar que está autorizada a manter sua crença mesmo que ela seja falsa e já sabendo que ela é falsa.
Isso tudo nos leva a um outro ponto: o abandono de crenças falsas. O que se espera é que a pessoa abandone sua crença falsa ao saber que ela assim o é. As vezes esse abandono é um pouco mais difícil, onde pode ser preciso apresentar razões, evidências e outras justificações em defesa da remoção dessa crença.
Ainda um outro ponto a ser elencado está na importância do suporte as nossas crenças. É bem difícil ter uma crença conclusivamente verdadeira, mas isso não é motivo para as suspendermos ou até mesmo abandoná-las: basta ter boas razões as sustentando. Nesse sentido, uma crença pode ser revisada ou abandonada a partir do seu nível de justificação.
Por fim, um último ponto está na possível necessidade de uma noção mais profunda e explícita sobre a verdade. Uma crença pode estar muito bem justificada, mas ainda assim se provar falsa. Ou seja: ainda que haja um bom suporte justificacional, esse suporte apenas exponencia ou torna mais provável que a crença seja verdadeira. No fim, uma crença pode não ser verdadeira ainda que esteja bem justificada.
[MÚSICA DE LO-FI HIP HOP]
[FRANK]
Olá ouvintes! tudo bem?
Esse é o primeiro episódio do esclarecimento. Espero que tenha ficado bom. Espero que vocês tenham gostado. Não tirei essas informações do nada, não pensei sobre isso e criei… ex nihilo, por exemplo.
Esse episódio está fundamentado em 2 referências: uma é o capítulo sobre a crença do livro “a teoria do conhecimento: uma introdução temática” e é do Moser, Mulder e Trout – eu acho que é assim que se fala pois não sou muito bom de falar inglês essas coisas assim. É da editora Martins Fontes e do ano 2008. Também estou usando o verbete da enciclopédia Stanford de filosofia sobre “crença” do Eric… ou da Eric Schwitzgebel. Nossa que difícil falar – realmente tem uns nomes que eu não… vai ficar errado mesmo vai fica zuado é isso aí 😛
Qualquer coisa essas referências vão estar completas tudinho bonitinho na descrição do episódio; Ainda que eu esteja falando errado, qualquer coisa, se você tiver uma leitura melhor de inglês, por exemplo, então vai conseguir falar o nome dos autores melhor do que eu.
Eu gostaria de agradecer a primeira e até agora a única mecenas do podcast que é a Laira Maressa. Então se você quiser contribuir financeiramente ajudando o podcast, sendo um mecenas do podcast, você pode contribuir com um valor mensal de 5 reais que você pode pagar tanto pelo PicPay ou pelo apoie-se ou você pode fazer uma doação de um valor qualquer pelo Pix – então tenho uma chave que está na descrição do episódio – só é copiar e colar – e você doa pra gente o valor que você achar que a gente merece – no caso a gente é só eu; por enquanto.
Vou aproveitar o embalo e pedir para que você possa acompanhar um podcast: se inscrever e tudo mais. Você pode fazer isso pelo Spotify, pelo Anchor, pelo Google podcasts, pelo Spreaker, Deezer, Amazon Music ou até mesmo Castbox. Em qualquer um desses é só procurar por esclarecimento que você vai encontrar esse podcast.
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É isso e até o próximo episódio!
Tchau tchau!!!
[FIM DO EPISÓDIO]