Transcrição do quarto episódio da segunda temporada tratando sobre Filosofia política e publicado no dia 23 de Agosto de 2021. O assunto é Liberalismo.
BLOCO 1
[INÍCIO DO EPISÓDIO]
[FRANK]
Em linhas gerais, pode-se dizer que o liberalismo é uma corrente política que tem por base a liberdade – destacadamente a liberdade individual. A liberdade, portanto, é um valor ou princípio político do liberalismo. Mas essa é uma descrição beeemmm ampla desse nome que é de orgulho pra uns e xingamento pra outros. Do que se trata o liberalismo? Do que é feito? Como se alimenta?
[SOM DE UMA BATERIA TOCANDO JAZZ SURGINDO AO FUNDO]
Meu nome é Frank Wyllys e este é mais um episódio do Esclarecimento.
[SOM DE UMA BATERIA TOCANDO JAZZ DESAPARECENDO AO FUNDO]
[CURTA PAUSA SILENCIOSA]
BLOCO 2
[MÚSICA SURGINDO AO FUNDO]
[MÚSICA FICANDO COMO SOM DE FUNDO]
[FRANK]
Vamos começar pelo seguinte tópico: o que se entende por liberdade? Porque a depender de como se define o conceito de liberdade, a noção de liberalismo adotada pode variar – assim como varia que tipo de liberdade o Estado deve proteger. Nesse sentido, ao menos 3 noções de liberdade podem ser abordadas: a liberdade negativa, a positiva e a republicana.
Tanto a negativa quando a positiva foram abordadas no episódio anterior ao se falar de Isaiah Berlim. Com relação a liberdade negativa, eu disse o seguinte:
“Por liberdade negativa ele a entende como ausência de coerção, onde coerção é a existência de alguém nos forçando a agir de certa maneira ou nos impedindo, restringindo de agir de certa maneira.”
Com relação a liberdade positiva, eu disse o seguinte:
” […], por liberdade positiva ele entende a possibilidade ou o fato de uma pessoa agir de modo a ter o controle da sua vida. Ou seja: uma pessoa é livre se realmente faz aquilo que objetiva. A liberdade positiva, portanto, permite que as pessoas se autorrealizem através das próprias ações que escolheram para a sua vida.”
Por último, em relação a liberdade republicana, esta deve ser entendida como o posto de dominação ou escravidão. Isso significa que uma pessoa é livre quando não está sobre o arbítrio de outra pessoa, devendo o Estado proteger as pessoas do poder arbitrário de outras pessoas e do poder arbitrário do próprio Estado.
[MÚSICA DESAPARECENDO AO FUNDO]
[CURTA PAUSA SILENCIOSA]
BLOCO 3
[MÚSICA SURGINDO AO FUNDO]
[MÚSICA FICANDO COMO SOM DE FUNDO]
[FRANK]
Os liberais não se dividem apenas a respeita da concepção de liberdade. Um outro tópico do liberalismo é a divisão em relação ao status moral da propriedade privada e da organização do mercado. É possível caracterizar essa divisão, aliás, entre o liberalismo clássico e o novo liberalismo.
O liberalismo clássico – sendo hoje mais frequentemente associado ao libertarianismo – insiste num sistema econômico baseado na propriedade privada. A ideia é que esse sistema seria o único consistente com a liberdade individual, permitindo que as pessoas vivam suas vidas da maneira que bem entenderem. Mas é possível ir além. Libertários argumentam, por exemplo, que a propriedade seria, na verdade, uma forma de liberdade. Outros libertários argumentam que liberdade e propriedade são a mesma coisa, defendendo-se a partir disso que os demais direitos – como o direito à liberdade – são formas de propriedade. No fim, a realização da liberdade de um indivíduo se daria pela organização do mercado baseado na propriedade privada. As pessoas são livres, portanto, se podem fundar empresas para aumentar seu capital, se podem fazer contratos e vender seu trabalho, se podem investir e guardar seus bens e por aí vai.
O novo liberalismo, entretanto, parte de alguns desafios contra a íntima relação entre liberdade e propriedade privada embasada na organização do mercado. Que desafios foram esses? Acreditava-se – e tem gente que ainda acredita nisso – que o livre mercado traria prosperidade à sociedade. Só que muitos liberais a partir do século XIX e XX passaram a questionar isso. Ou seja: o mercado baseado em propriedade privada tendia a instabilidade e geraria uma alta taxa de desemprego, por exemplo. Isso os fizeram duvidar que uma fundação adequada para a sociedade estaria num sistema econômico baseado na propriedade privada.
Soma-se a isso a crescente perca de fé no mercado enquanto o mesmo aumentava para uma maior supervisão ou intervenção do Estado no mercado. Um exemplo disso estaria no New Deal.
“[…] o liberalismo ele começa a ser criticado, pois a forma de se entender a economia, essa ideia do mercado de que ele se auto regula – aquela ideia do Adam Smith – começa a ser criticada no seguinte ponto: será que não era melhor o Estado regular a economia? Fiscalizar os processos econômicos? Será que é positivo deixar o mercado livre, sem uma interferência estatal? Então essa ideia da implantação de políticas intervencionistas começa a ganhar força nos Estados Unidos e também não só na classe política, mas entre o povo.”
Um outro motivo que embasa esse desafio está no crescimento da seguinte convicção: a de que o direito a propriedade alimentava uma desigualdade injusta de poder. Por trás da mera igualdade formal estava, na prática, uma falha sistemática em assegurar as pessoas no geral a liberdade num sentido positivo. Nesse sentido, é por isso que o maior ou o mais conhecido representante desse novo liberalismo seria o John Rawls e a sua teoria da justiça – que focava no desenvolvimento de uma teoria da justiça social. O que se ressalta dessa teoria em relação aos desafios da propriedade privada? O princípio da diferença.
“[…], o princípio da diferença advoga que a distribuição de riquezas deve beneficiar ou aumentar o mínimo das pessoas mais desfavorecidas. Ou seja: a distribuição de riqueza pode até ser desigual, mas essa desigualdade é justa quando melhora a condição dos mais pobres.”.
[MÚSICA DESAPARECENDO AO FUNDO]
[CURTA PAUSA SILENCIOSA]
BLOCO 4
[MÚSICA SURGINDO AO FUNDO]
[MÚSICA FICANDO COMO SOM DE FUNDO]
[FRANK]
Um outro ponto de divisão entre os liberais está na resposta a ser dada a grupos que não tem valores ou políticas liberais. Tais grupos podem, por exemplo, negar o acesso a educação a alguns de seus membros, restringir a liberdade de expressão para alguns deles ou organizar-se em um sistema desigual de castas. Um grupo liberal deveria interferir? Se sim, quando?
Quando a intervenção é no âmbito internacional e se considerarmos a posição de John Stuart Mill no ensaio “Algumas Palavras sobre Não-intervenção”, uma resposta seria a de intervir. Ora: grupos não liberais seriam bárbaros, não civilizados, restando as regras da moralidade comum entre os seres humanos o único meio de se relacionar com os membros desse grupo. Bom: não preciso explicar que uma visão assim é imperialista e racista. Mas a coisa muda quando a intervenção se dá sobre grupos dito civilizados: o Mill é aqui contra a intervenção, pois as pessoas desse grupo lutariam pela sua liberdade em caso de intervenção.
Uma outra resposta a intervenção, mas agora a parte de Mill, é a de que ela não deveria ocorrer por ser moralmente condenável. A ideia é que os grupos ou algumas pessoas nele podem cometer erros assim como os liberais cometem dentro do seu grupo, devendo-se respeitar as decisões do grupo alheio. Tem quem defenda, ao invés de ser proposto uma intervenção, que se tolere grupos não liberais. Ou seja: que se especifique até que ponto deve-se tolerar tais grupos e sua cultura. John Rawls, por exemplo, advoga que deveria ser feito uma distinção entre sociedades não liberais decentes de estados criminosos. Ora: sociedades não liberais decentes, assim como as liberais, não toleram os estados criminosos por eles ignorarem os direitos humanos, por exemplo. Nesse sentido, além de intervenção, uma outra resposta a estados assim seriam a imposição de sanções.
Agora: e quando a intervenção é no âmbito doméstico? Bom: grupos não liberais dentro de sociedades existem – como por exemplo os religiosos. Uma das discussões que esse isso causa, focando especificamente na parte religiosa, é a seguinte: até que ponto comunidades religiosas – e outras comunidades não liberais – tem permissão para se isentarem das exigências dos estados liberais? Ou seja: até que ponto acomodar grupos religiosos que tem fortes objeções a políticas públicas de estados liberais?
Pega por exemplo o caso Wisconsin vs. Yorder lá dos Estados Unidos. A Suprema Corte de lá, o STF deles, confirmou o direito de um pai Amish de remover o seu filho da escola aos 14 anos e, consequentemente, de evitar a sua escolarização compulsória. O ponto dessa remoção está em evitar que o filho tenha influências seculares que possam demolir o estilo de vida tradicional dos Amish, pois essa comunidade religiosa toma conta da educação de suas crianças.
Tem que defenda que os Estados Unidos deveriam intervir nesse caso dado seus princípios liberais. Uma razão à favor dessa intervenção seria a de que o estado proveria as crianças da comunidade Amish o direito de sair dessa comunidade caso desejassem, ocorrendo isso por meio da educação. Uma outra razão à favor seria a de proteger o direito dessas crianças a um futuro aberto e autônomo. Uma terceira razão estaria na ideia de garantir que essas crianças tenham as ferramentas cognitivas necessárias para os seus futuros papéis como cidadãos.
[MÚSICA DESAPARECENDO AO FUNDO]
[CURTA PAUSA SILENCIOSA]
AGRADECIMENTOS
[MÚSICA SURGINDO AO FUNDO]
[MÚSICA FICANDO COMO SOM DE FUNDO]
[FRANK]
Olá olá, pessoaaaaaaal!
Tudo bem com vocês???
Meu nome é Frank Wyllys, sou licenciado em filosofia pela UFAM e também sou o faz tudo desse podcast.
Bom: este é o quarto episódio da segunda temporada do Esclarecimento em que trato de Filosofia política. Em relação as referências que embasam esse episódio, a principal é o capítulo “Liberalismo” do livro “Textos selecionados de filosofia política” – o capítulo é uma tradução do verbete de mesmo nome da enciclopédia Stanford de Filosofia e é de autoria do Gerald Gaus, Shane D. Courtland e Savid Schmidtz.
Além disso eu gostaria de agradecer as contribuições financeiras de Fylype Wase, Laira Maressa, Camila Ruzo e Paloma Coelho. Caso deseje apoiar este podcast, faça uma doação em um valor qualquer ou assine o podcast a partir de 5 reais. Só mandar um Pix para esclarecimentopodcast@gmail.com ou ir no link esclarecimentopodcast.wordpress.com/financie/ para saber mais.
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Isso é tudo por hoje, pessoal.
Até o próximo episódio!
Tchau Tchau!!
[MÚSICA DESAPARECENDO AO FUNDO]
[FIM DO EPISÓDIO]