Justiça (S02E02) – Transcrição

Transcrição do segundo episódio da segunda temporada tratando sobre Filosofia política e publicado no dia 09 de Agosto de 2021. O assunto é Justiça.

BLOCO 1

[INÍCIO DO EPISÓDIO]

[FRANK]

Quando pensamos em justiça, geralmente nos vem a mente as seguintes situações:

[TRECHOS DE REPORTAGENS FALANDO DE INJUSTIÇAS SOCIAIS]

A justiça, sendo isso mais forte na sociedade brasileira, geralmente nos parece… distante, sabe. Cumprimos com nossas obrigações perante o Estado, claro, mas as vezes os benefícios que colhemos do Estado não são de qualidade. Isso é… injusto – ou pelo menos tendemos a achar injusto, né. Mas… o que é precisamente justiça? O que é justiça?

Bom: o conceito de justiça perpassa tanto a ética quanto a filosofia política. Ele é bem amplo, na verdade. Por isso vai ser preciso fazer um recorte no modo como esse conceito será aqui abordado. Além do recorte na filosofia política, a justiça aqui abordada será mais voltada para a justiça distributiva, ou seja: envolverá principalmente a busca de uma sociedade justa através da distribuição de riqueza. Claro, claro: também se percorrerá outros conceitos também importantes e relacionados a justiça, como igualdade e liberdade.

[SOM DE UMA BATERIA TOCANDO JAZZ SURGINDO AO FUNDO]

Meu nome é Frank Wyllys e este é mais um episódio do Esclarecimento.

[SOM DE UMA BATERIA TOCANDO JAZZ DESAPARECENDO AO FUNDO]

[CURTA PAUSA SILENCIOSA]

BLOCO 2

[FRANK]

Comecemos por John Locke e a sua ideia de justiça como direito moral à propriedade. Para Locke, uma sociedade é justa quando as pessoas dessa sociedade que tem alguma propriedade tem direitos morais sobre essas propriedades. Nesse sentido, uma teoria da justiça com base no direito à propriedade começaria na pessoa obtendo o que é seu a partir da natureza. Ou seja: a pessoa, ao obter essa propriedade, tem o direito de utilizá-la e de transferí-la para outra pessoa por meio da venda, doação ou herança. Mas… de onde exatamente surge esses direitos? Ao menos dois argumentos podem ser oferecidos.

Um primeiro argumento de Locke em defesa desses direitos está na sobrevivência dos seres humanos. A Terra, planeta criado por Deus, é cheio de recursos – como frutas, animais, verduras, minerais etc. – e esses recursos são comuns para todos que nele habitam. Ora: a humanidade que vive na Terra e precisa sobreviver. Portanto, é permitido a todos que possam retirar da natureza o que precisam para sobreviver DESDE QUE não se tire mais do que precisam, evitando o desperdício, e que se deixe para os outros recursos o suficiente e estes também sejam de boa qualidade.

Só que esse argumento da sobrevivência pode ser objetado observando-se o seguinte: ele só busca justificar a apropriação de recursos mais imediatos para a sobrevivência, não a apropriação de terras – pois certa porção de terra também é de propriedade das pessoas. Além disso, esse argumento não torna claro como exatamente esses recursos que nós nos apropriamos para sobreviver passam a ser propriedade privada.

Um segundo argumento de Locke em defesa do direito moral à propriedade está na mistura do trabalho. A ideia aqui está em uma pessoa poder adquirir através do seu trabalho algo que existe na natureza, tornando esse algo sua propriedade privada – como por exemplo um pedaço de terra. Nesse sentido, independente do que as pessoas retirarem diretamente da natureza, se nisso elas ali puserem, misturarem seu trabalho, então aquilo que elas retiraram é sua propriedade. Existem exceções, claro: é preciso deixar o suficiente para os outros e esses serem de boa qualidade, assim como não haver qualquer pessoa dizendo que esse objeto ou recurso trabalhado é seu.

Esse segundo argumento, claro, sofre de algumas objeções. Uma dessas objeções está na pessoa incapaz de trabalhar. Sem trabalho, infelizmente a pessoa não obterá propriedade, podendo isso ser duro demais, injusto para tal pessoa. Além disso, uma outra objeção está no argumento assumir de modo omisso o seguinte: se temos algo nosso e o misturamos com outra coisa que não seja especificamente de ninguém, então essa segunda coisa agora é nossa. Ora: se eu tenho uma jarra de suco de laranja e a jogo num rio, então a parte do rio que se misturou com o suco agora é meu? É claro que não!

BLOCO 3

[FRANK]

John Rawls, por assim dizer, defende uma concepção de justiça como equidade. Focado numa noção mais social de justiça, a sua ideia é a de que a justiça está fortemente associada as instituições sociais e como elas se arranjam e distribuem direitos e deveres fundamentais, assim como os benefícios obtidos da nossa cooperação social. Agora: como Rawls chega a sua concepção de justiça? Em linhas gerais, ele define quais são os princípios da justiça, como a gente chega a eles e porque eles são os princípios corretos – pelo menos para as democracias modernas, né.

Comecemos pela posição original. Para Rawls, a posição original é um experimento mental onde as pessoas devem avaliar os princípios da justiça de modo imparcial. Essa imparcialidade vem do que Rawls chama de véu da ignorância: as pessoas sofrem/passam por uma amnésia sobre suas condições de vida, status, talentos, projetos de vida, sexo, raça, perspectivas pessoais e outras informações. Numa situação dessa, estando forçadas a avaliar o que é justo, essas pessoas escolheriam ter bens primários – como por exemplo a liberdade. Essa escolha se daria por tais bens serem bens valiosos, independentemente da pessoa, e pela escolha dos mesmos estar entre o seu excesso e a sua falta.

A partir da posição original, numa sociedade justa, Rawls defende que as pessoas escolheriam os seguintes princípios da justiça:

  • Primeiro princípio: Cada pessoa deve ter um direito igual ao mais extenso sistema de liberdades básicas que seja compatível com um sistema de liberdades idêntico para as outras.
  • Segundo princípio: As desigualdades económicas e sociais devem satisfazer duas condições: em primeiro lugar, ser a consequência do exercício de cargos e funções abertos a todos em circunstâncias de igualdade equitativa de oportunidades; e, em segundo lugar, ser para o maior benefício dos membros menos favorecidos da sociedade.

[CURTA PAUSA SILENCIOSA]

BLOCO 4

[FRANK]

Vamos entender um pouco mais esses princípios da justiça e qual a sua ordem de prioridade. Olhando de um ponto de vista da prioridade dos princípios, o primeiro princípio é o primeiro na ordem de prioridade, sendo conhecido por princípio da liberdade. O segundo princípio se subdivide em dois e são chamados de princípio da oportunidade justa e princípio da diferença – aliás: essa é também a sua ordem de prioridade.

No princípio da liberdade, as liberdades ali inclusas seriam as políticas, de expressão, de reunião, de pensamento, de consciência e muitas outras mais. Além disso, por ser o princípio prioritário, tais liberdades não podem ser violadas pelos outros pra se alcançar alguma vantagem social ou econômica. Porém, elas podem ser limitadas caso seja preciso obter uma maior liberdade para todas as pessoas. Quer um exemplo? Você pode ter sua liberdade de expressão cassada caso a esteja usando para atentar contra a democracia, por exemplo.

[recorte de reportagem sobre decisão do Alexandre de Moraes contra o Alan dos Santos]

Seguindo adiante, o princípio da oportunidade justa advoga que as desigualdades e a distribuição de riqueza são aceitáveis em uma sociedade justa se elas são resultados da igualdade de oportunidades para todos. Ou seja: se todos tem pleno acesso a saúde, educação, cultura e outros direitos, serviços ou benefícios sociais, então tal sociedade é justa, pois a sua desigualdade vem dos resultados alcançados por cada um dos indivíduos dessa sociedade – ainda que todos tenham um ponto de partida mais do que satisfatório. Caso contrário, havendo por exemplo falta de acesso à educação para os mais pobres, essa desigualdade não é justa e, portanto, essa sociedade não é justa.

Por último, o princípio da diferença advoga que a distribuição de riquezas deve beneficiar ou aumentar o mínimo das pessoas mais desfavorecidas. Ou seja: a distribuição de riqueza pode até ser desigual, mas essa desigualdade é justa quando melhora a condição dos mais pobres. As pessoas, muito geralmente, não tem culpa de ocupar a posição que ocupam na sociedade. Por isso, apesar da falta de sorte na loteria social e natural, gerando essa loteria pessoas desprovidas de talentos naturais ou de privilégios, essas mesmas pessoas tem de ser compensadas para ter o mínimo, viver bem e terem melhores oportunidades. Quer um exemplo?

[reportagem sobre os benefícios do bolsa família]

[PAUSA CURTA]

BLOCO 5

[FRANK]

Melhor entendidos os princípios da justiça de Rawls, fica no ar a seguinte pergunta: porque mesmo escolher esses princípios? Não seria melhor escolher outros princípios? Rawls nos diz que os seus princípios são preferíveis ao invés de qualquer outro devido eles obedecerem ao que chama de princípio Maximin. O princípio Maximin diz que, diante de uma lista de cenários e seus resultados, devemos jogar seguro e escolher o melhor cenário. Um detalhe nessa escolha está em se assumir que o pior cenário vai acontecer. Portanto, a partir da lista de cenários e seus resultados, deve-se escolher sempre o melhor dos piores cenários, o menos pior dos piores.

Tá confuso? Fica suave que um exemplo pode te ajudar e entender de vez o princípio Maximin. Imagine agora três cenários: o cenário A, o cenário B e o cenário C. Todos os três tem tanto um pior resultado possível quanto um melhor resultado possível, onde o pior resultado se refere a pobreza e o melhor resultado se refere a riqueza. Em relação as opções, o cenário A tem a pobreza extrema como o pior resultado possível e riqueza extrema como o melhor resultado possível. O cenário B tem a pobreza acentuada como o pior resultado e a riqueza acentuada como o melhor resultado. O cenário C tem a pobreza moderada como o pior resultado e a riqueza moderada como o melhor resultado. Diante desses cenários e resultados, qual escolher?

Seguindo o princípio Maximin, o mais racional seria escolher o cenário C. Assumindo que o pior vai acontecer, a nossa pobreza será melhor ou menos pior do que as pobrezas dos cenários A e B. E como os princípios da justiça do Rawls respeitam o princípio Maximin? A posição original – que ocorre sobre o véu da ignorância – é uma situação de incerteza tal qual a da lista de cenários do exemplo do princípio Maximin. A escolha dos princípios da justiça, além de ser aceitável entre todas as pessoas e independente da posição que elas ocupam na sociedade, deve gerar o menos pior dos cenários, onde até os desfavorecidos são bem servidos de bens sociais e riquezas. Ou seja: a escolha dos princípios da justiça deve maximizar o mínimo dos mais pobre nessa sociedade.

AGRADECIMENTOS

[MÚSICA SURGINDO AO FUNDO]

[MÚSICA FICANDO COMO SOM DE FUNDO]

[FRANK]

Olá olá, pessoaaaaaaal!

Tudo bem com vocês???

Meu nome é Frank Wyllys, sou licenciado em filosofia pela UFAM e também sou o faz tudo desse podcast.

Bom: este é o segundo episódio da segunda temporada do Esclarecimento em que trato de Filosofia política. Em relação as referências que embasam esse episódio, as principais desse episódio é o capítulo cinco do livro “Introdução à Filosofia Política”. O nome do capítulo é “A distribuição da riqueza” e o livro é de autoria do Jonathan Wolff. Caso queira saber todas as referências do episódio, basta conferir o post do episódio no site do podcast.

Além disso eu gostaria de agradecer as contribuições financeiras de Fylype Wase e Laira Maressa. Caso deseje apoiar este podcast, faça uma doação em um valor qualquer ou assine o podcast a partir de 5 reais. Só ir no link esclarecimentopodcast.com.br/financie para saber mais.

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Isso é tudo por hoje, pessoal.

Até o próximo episódio!

Tchau Tchau!!

[MÚSICA DESAPARECENDO AO FUNDO]

[FIM DO EPISÓDIO]


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