Transcrição do primeiro episódio da segunda temporada tratando sobre Filosofia política e publicado no dia 02 de Agosto de 2021. O assunto é Justificação do Estado.
BLOCO 1
[INÍCIO DO EPISÓDIO]
[FRANK]
Quando a gente pensa em política, umas das primeiras coisas que vem a nossa cabeça é o Estado. Nascemos em um Estado, vivemos nele, usufruímos do que pode nos fornecer… O Estado nos ampara, nos castiga, define uma série de coisas que usamos no nosso dia a dia…, mas… o que é o Estado?
[SOM DE UMA BATERIA TOCANDO JAZZ SURGINDO AO FUNDO]
Bem-vindas e bem-vindos a segunda temporada – onde nela falaremos de filosofia política. Meu nome é Frank Wyllys e este é mais um episódio do Esclarecimento.
[SOM DE UMA BATERIA TOCANDO JAZZ DESAPARECENDO AO FUNDO]
[CURTA PAUSA SILENCIOSA]
BLOCO 2
[FRANK]
Uma maneira de sabermos o que é uma coisa, né, se dá por meio de sua caracterização. E o Estado tem sim algumas características. Portanto, vou listar aqui ao menos cinco delas.
Uma primeira característica do Estado está nele ter um território. Ou seja: ele tem um espaço onde seu poder político é exercido. Esse espaço pertencente ao Estado abrange uma certa porção de terra – seja o solo ou subsolo -, abrange uma certa porção de água – seus mares, rios, lagos e outros – e abrange uma certa porção de ar – isto é, seu espaço aéreo.
Uma segunda característica do Estado está nele ter uma constituição. A constituição, em linhas muito gerais, é a sua lei maior. Ela reúne as principais leis do Estado e cria um vínculo jurídico do mesmo com toda e qualquer pessoa que residir ou simplesmente estiver dentro do seu território.
Uma terceira característica do Estado está nele ter uma população. Melhor dizendo, o Estado tem uma certa quantidade de pessoas que habitam dentro do seu território e devido a isso tem algum vínculo jurídico com o mesmo – em outras palavras: a população está sujeita às leis do Estado.
Uma quarta característica do Estado está nele ter um governo. Nesse sentido, o Estado exerce seu poder diante – e geralmente a partir – da sua população e dentro do seu território. Se considerarmos essa característica no Brasil, por exemplo, observa-se o exercício desse poder de maneira dividida, sendo eles o poder Executivo, Legislativo e Judiciário.
Uma quinta característica do Estado está nele ter soberania. O Estado se autodetermina pelo seu governo, não dependendo de outros Estados ou instituições externas. A soberania de um Estado também envolve a criação de leis próprias, autoadministração de acordo com as necessidades da sua população, exercício da justiça dentro do seu território para a resolução de problemas, etc.
No fim, listado essas cinco características, pode-se dizer em linhas gerais que o Estado é aquele que tem um território, população, uma constituição, um governo e é soberano, tendo um monopólio legítimo da força e da coerção.
BLOCO 3
[FRANK]
Com as caracterizações do Estado nos dando uma noção do que ele é, resta introduzir o assunto desse episódio: a justificação do Estado. Mas do que se trata esse problema filosófico? A justificação do Estado existe para que possamos ter uma boa razão para obedecê-lo – ou seja: é preciso existir uma justificativa para termos o dever moral de obedecer ao Estado.
Se a gente olhar a questão de maneira inicial ou até mesmo preguiçosa, podemos respondê-la dizendo que se defende o Estado porque não há alternativa melhor ou porque a existência do Estado nos beneficia, onde estamos melhor sob sua autoridade do que fora dela. Mas… quando paramos pra pensar no problema da justificação do Estado, não é tão óbvio termos um dever moral de obedecê-lo.
Por exemplo: os seres humanos, segundo Locke, são livres, iguais e independentes. Mas, fora os casos justificados de castigo, de punição, só é legítimo uma pessoa exercer autoridade sobre uma outra pessoa quando esta consentiu com isso. Assumindo essas considerações, o problema da justificação do Estado foca nessa conciliação entre a autonomia dos indivíduos com a autoridade do Estado – e essa conciliação se dá por meio da obrigação política.
Mas o que é obrigação política? A obrigação política é a obrigação universal de obedecer à lei simplesmente por ser uma lei – e não porque pensamos que exista qualquer justificação moral independente. Justificamos o Estado porque é preciso mostrar para as pessoas que todos nós temos obrigações políticas. Isso significa, por exemplo, em relação ao Estado, que devo obedecer à lei do país; pagar os impostos; lutar, se chamado a isso, em defesa do estado; ser patriota – como cantar o hino nacional ou respeitar os símbolos nacionais -; obedecer às leis de trânsito e por aí vai.
Justificar o Estado por meio do nosso dever moral de obedecê-lo significa mostrar que existem obrigações políticas universais – repito: universais – de obediência as leis. Esse universal, aliás, deve ser melhor entendido como a sua devida aplicação em todos os que estão presentes no seu território. Justificar o Estado, portanto, significa mostrar que as pessoas que se encontram no seu território são moralmente obrigadas a obedecer às suas leis.
[CURTA PAUSA SILENCIOSA]
BLOCO 4
[FRANK]
Temos uma noção do que seria o Estado e do que se trata o problema filosófico da justificação do Estado. E agora: que resposta dar ao problema da justificação do Estado? Esse problema filosófico já recebeu várias respostas – e, ainda que de maneira simplificada, vou apresentar aqui ao menos duas dessas justificações.
Uma possível justificação do Estado está no que se pode chamar de voluntarismo. O voluntarismo, que é defendido por John Locke, é o exercício do poder político de uma pessoa ou organização sobre outra pessoa, ocorrendo isso na medida em que uma tenha concedido o exercício desse poder sobre a outra. Justificar o Estado, nesse sentido, leva a mostrar como cada indivíduo concedeu voluntariamente ao Estado a autoridade de exercer poder político sobre si próprio. O Estado que exerce poder sobre uma pessoa sem o meu consentimento, portanto, é ilegítimo – mesmo quando a sua vida é muito melhor dentro do Estado do que fora dela.
A teoria do contrato social forneceria uma solução voluntarista ao referido problema da justificação. Pensa só: existe um momento no tempo onde os indivíduos consentiram na existência do Estado, ou estabeleceram um contrato com o Estado, ou firmaram um contrato entre eles para a criação de um Estado. Ainda que de forma abstrata, a teoria do contrato social é uma solução para o problema da obrigação política, satisfazendo dois requisitos: o do universalismo — todas as pessoas têm de estar sujeitas à lei — e o do voluntarismo — as obrigações políticas só podem existir através de um consentimento.
Só que a resposta voluntarista pode ser objetada por carecer de sustentação prática: falta no mundo real um momento histórico que possa ser considerado fundador desse contrato social, assim como algum documento ou vestígio do mesmo.
Seguindo adiante, uma outra possível justificação do Estado está no que se pode chamar de acordo tácito. O acordo tático alega que o recebimento ou usufruto silencioso de benefícios e proteção do Estado por uma pessoa implica no seu consentimento ao Estado de maneira tácita – e isso basta para que fique obrigado perante o Estado. Ora: a residência ou trânsito de uma pessoa em um determinado lugar do Estado, seja de forma fixa ou temporária (viajem), leva ao usufruto dos benefícios ofertados por esse Estado – e o usufruto implica também numa obrigação com o Estado por meio do cumprimento das suas leis. Se o pacote de benefícios e obrigações desse Estado não lhe agrada, basta cair fora e buscar um outro Estado que lhe forneça o pacote desejado.
Uma objeção ao acordo tácito, de acordo com David Hume, está na residência não implicar diretamente no consentimento esperado. Ainda que sair do Estado conte como um desacordo a esse consentimento, é muito caro para grande parte das pessoas fazer essa mudança. Nesse sentido, muitos podem não gostar ou discordar dos benefícios e da proteção prestados pelo Estado onde residem, mas ainda assim não sair dele por não terem condições financeiras para tal.
[PAUSA CURTA]
AGRADECIMENTOS
[FRANK]
[MÚSICA SURGINDO AO FUNDO]
[MÚSICA FICANDO COMO SOM DE FUNDO]
Olá olá, pessoaaaaaaal!
Tudo bem com vocês???
Meu nome é Frank Wyllys, sou licenciado em filosofia pela UFAM e sou o faz tudo desse podcast: host, editor, roteirista, pesquisador…
Ainda assim, este é o primeiro episódio da segunda temporada do Esclarecimento e nessa temporada vamos tratar de Filosofia política até faltar poucos dias do primeiro turno das eleições 2022.
Em relação as referências, a principal desse episódio é o capítulo dois do livro “Introdução à Filosofia Política” do Jonathan Wolff. Caso queira saber todas as referências do episódio, basta conferir o post no site deste podcast.
Além disso eu gostaria de agradecer as contribuições financeiras de Fylype Wase e Laira Maressa. E caso deseje apoiar este podcast, faça uma assinatura mensal no valor de 5 reais ou uma doação no valor que desejar ou puder pagar. Pra isso, só ir no link esclarecimentopodcast.com.br/financie.
Por fim, não deixe de nos acompanhar. Você pode fazer isso seguindo o podcast no seu aplicativo ou serviço favorito – Spotify, Google Podcasts, Deezer, Amazon Music, Stitcher ou Castbox – ou nos seguindo nas redes sociais: no Facebook e Instagram é @esclarecimentop – tudo junto e minúsculo – e no Twitter é @esclarecimento_ – tudo junto e minúsculo também.
Isso é tudo por hoje, pessoal.
Até o próximo episódio!
Tchau Tchau!!
[MÚSICA DESAPARECENDO AO FUNDO]
[FIM DO EPISÓDIO]